23.8.09

E cada vez que escrevo ou falo...



E cada vez que escrevo ou falo
afasto-me do que digo
distancio-me das coisas do mundo
e do meu corpo
me escrevo
para a evidência irredutível
do mundo
o real é o absoluto
fora de mim e em mim
inalienável
inviolável
intraduzível
por toda a parte para onde vou
ou onde estou
desde que o sinto ou o pressinto
num vislumbre
é então que começa o começo
num incessante pulso

Que notícia posso eu dar
do que se passa comigo
no mundo?

Ninguém o sabe ao certo
mas o poema atravessa a noite da ignorância
sem esclarecer
como se iniciasse
obscuramente
irrecusavelmente
o que no mundo sem o antecipar
é o que não era ainda
no mundo
a impossibilidade genética
do poema.

Se escrevesse que a mão aberta
era uma estrela de cinco dedos
seria uma imagem ainda aleatória
mas determinada pela convergência de um sentido
em que a liberdade livre da poesia
quase se reduzia
a um semantema
como se num barco à vela
o leme dirigisse a vela
como um leme
numa direção unívoca
e a vela não se enchesse com o vento
como uma rosa redonda
no fluir do barco
na ondulação da maré
numa vivacidade elemental
liberto da estrutura rígida de um sentido
imposto como um sinal
de trânsito.


António Ramos Rosa