30.9.09

Toada Gótica


Seguem-te os alicornes mansamente,
Pastando neve na montanha azul...
Que a tua mão, Senhora, os apascente
sem nada que os altere ou que os macule!

O céu, coalhado, tem um ar ausente
Que nem parece o dum país do Sul.
E os alicornes pastam mansamente
- E a neve brilha na montanha azul!

Ondeiam nos pauis fantasmas brancos,
Tal como um sonho que se apaga e esfuma,
Anda a bailar o Inverno nos barrancos.

E tu sorris, atrás dos alicornes...
Ó pastorinha de vitral e bruma,
Que sobre mim a tua graça entornes!


António Sardinha

Mangas




Não te quis contar tudo das mangas,
antes balbuciei aos teus ouvidos o luar
que, da fresta dos coqueiros, banhava
o areal silencioso, pedaços de notas
com que a brisa desejava as ondas,
o termos sido, mano a mano, essa loucura!
Das mangas não, Amor. Tão íntimas de nós,
pedras soletradas, tão de toda a fruta
(cá dentro) como foram os abraços
e a nudez que não nos acabava, senão
nas pétalas de uma flor serenada
e nesses murmúrios (soubeste-os sempre)
das mangas...


Pedro Cardoso
Cabo Verde

Enfia as tuas mãos


enfia as tuas mãos
não te incomodes
arranca essa coisa que te dói
aprende as artes da mandrágora
nenhum líquido te sobrará
depois de já não haver mais anéis
— nem do meu cabelo, nem do teu —
depois de já não haver mais nada
deixa a marca
dos animais que dormem todo o verão,
a viseira do cavaleiro andante,
a roca e o fuso,
deixa a marca dos animais
o selo, o número, o uivo, a pega
deixa o rio
a seda, a prata, um fruto seco
a embarcação


Ana Paula Inácio

Nesta madrugada acordei


Nesta madrugada acordei
com o meu peito em flor.
O meu lençol branco
onde ontem me acostei,
estava esverdeado de árvore
e de amor.

Gradeados por raízes
meus lábios febris e ardentes
beijaram o nevoeiro
e meus olhos feirais e quentes
saíram do viveiro do meu rosto
e na alvorada um olhar ficou posto.

Voltei ao quarto e a ti.
Escorreguei nos flancos
das colmas do teu corpo
porque chovias suor abundante.
A noite caiu por sobre a tua ausência.

Fiquei só, com o meu lençol branco,
com tudo aquilo que sou
e mais o pranto!


José Pastor
Moçambique

29.9.09


Catavento muma ilha do Atlântico




- Vento ao norte! - Vento norte,
Que novas trazes de Set?
Inda o domínio da morte,
O reino da escuridão?

- Vento ao oeste! - Vento oeste,
Que novas bebeste em terra?
Ainda a desunião,
As lutas, a fome, a guerra?

- Vento ao sul! - Vento do sul,
Porque tens sabor agreste?
Ainda alguma criança
Faleceu, hoje, de peste?

- Vento ao leste! - Vento leste,
Que tens a morte de Set,
Nasceu alguma esperança?
O barco pode singrar?
Tem rumo-de-só-amar?...


António Cardoso (poeta angolano)

28.9.09

dois amantes, o mundo



dois amantes, o mundo
cada um no seu reino, beijam-se nas praias
quando as ondas batem as areias

o mar é o meu navio,
hoje naufrago feliz

sabes quem sou, as dunas
que se levantam com o vento são
os sonhos do amor que dormita
em sossego nas praias

a terra és tu o mar sou eu


Jorge Reis-Sá

Agora escrevo-te meu amor


agora escrevo-te meu amor
e permaneço pássaro fugido
vigiando os teus medos se anoitece
os teus fantasmas franjados de queixume

atravesso as paredes com lâminas nos dedos
para chamar-te minha

nesta paisagem húmida
de lama cimento e vazio
arrasto as minhas horas
cilícios como espadas
de afiados gumes
e percorro as ruas
temendo-te livre
(o corpo farto de não saber
onde encostar-se e pernoitar
até onde ir para matar tanto tempo)

as meias-noites
passo-as a forjar no meu esconderijo

estes nervosos enigmas
com meu rosto no espelho
com meus olhos de vidro

e trago-te amarrada
por um caminho seco
por onde ninguém passa

aí é que te mato
para que sejas minha
e confias-me os pulsos
o corpo quente
de gazela ofegante
presa na armadilha

depois que fazer da distância
ou desta falta de jeito
para estar só
que fazer ainda dos teus braços
caídos na partida?

apago o último cigarro
e encosto-me
ocupado que estou
com a vigília


Lourenço de Carvalho
Moçambique

26.9.09

Palhaço



O cómico avançou, num rodopio,
galvanizando o ar, depois cantou,
com graça, entre piruetas, recitou,
e nem um riso único surgiu!

De mágoa, eu tinha lágrimas em fio,
quando uma ausência estranha despertou
o espectador que eu era e me apontou
o coliseu sem público… vazio…

A solidão macabra da plateia
bem cedo fez, da torva sombra feia,
no meu olhar. Altas paisagens de ouro:

- Fumos de luz onde voei, perdido,
O ano dum minuto agradecido,
Para vê-la no fim rir do meu choro!


Edmundo de Bettencourt

Deixem-me sonhar



Deixem-me sonhar, à procura
dos sinais ocultos do caminho,
É nas asas do sonho que a loucura
faz o ninho.

Deixem-me ser livre como o vento
sem rumo nem compromisso.
O sonho é o lugar do pensamento
insubmisso.


António Arnaut

Quando ouvires o toque dos sinos


Quando ouvires o toque dos sinos
lembra-te
eles guardam a filigrana
dos despojos dos dias.


Maria Alexandre Dáskalos
Angola

25.9.09

Não é ciúme o que eu tenho.



Não é ciúme o que eu tenho.
É pena,
Uma pena
Que me rasga o coração.

Essa mulher
Nunca pode merecer-te;

Não vive da tua vida,
Nem cabe na ilusão
Da tua sensibilidade,
– Mas é bela! Tu afirmas
E eu respondo que te enganas.

A beleza –
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza –
Não é mais do que o desejo
Fremente que nos sacode...
– O resto, é literatura.

Conheço bem os teus nervos;
Deixaram nódoas de lume
Na minha carne trigueira;
– Esta carne que lembrava
Laivos de luz outonal,
Doirada, sem consistência,
A aproximar-se do fim...

Eu já conheço o teu sexo,
Tu já gostaste de mim.

A frescura do teu beijo
E o poder do teu abraço,
Tudo isso eu devassei...

Não é ciúme o que eu tenho;
Mas quando te vi com ela
Sem que me vissem, chorei...

(...)

Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha –
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.


António Botto

23.9.09

A noite caiu sem manchas e sem culpa


A noite caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens largaram as máscaras de bons atores.
Findou o espetáculo. Tudo o mais é arrabalde.

No alto, a utópica Lua vela comigo
E sonha coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço, a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! Se o espetáculo findou
Deixa-nos também dormir.


Fernando Namora

Ladainha horizontal




Como se fossem jangadas
desmanteladas,
vogam no mar da memória
as camas da minha vida...
Tanta cama! Tanta história!
Tanta cama numa vida!

Grabatos, leitos, divãs,
a tarimba do quartel;
e no frio das manhãs
lívidas camas de hotel...
Ei-las vogando as jangadas
desmanteladas,
todas cobertas de escamas
e do sal do mar da vida...
Tanta cama! Tantas camas!
Tanta cama numa vida!

Já os lençóis amarrados
tocam no centro da Terra
(que o reino dos desesperados
fica no centro da Terra!)
e os cobertores empilhados
são monte que não se alcança!
Só as tábuas das jangadas
Desmanteladas
bóiam no mar da lembrança
e no remorso da vida...
Homem sou. Já fui criança.
Tanta cama numa vida!

Nem vão ao fundo as de ferro
nem ao céu as de dossel...
Lembro-vos, camas de ferro
de internato e de bordel,
gaiolas da adolescência,
ginásios do amor venal!
Barras fixas. Imprudência.
Sem rede, o salto mortal
pra fora da adolescência...
E confundem-se as jangadas
desmanteladas
no mar da reminiscência...
Onde estás, ó minha vida?
Sono. Volúpia. Doença.
Tanta cama numa vida!

E recordo-vos, tão vagas,
vós que viestes depois,
ó camas transfiguradas
das furtivas ligações!

Camas dos fins-de-semana,
beliches da beira-mar...
Oh! que arrojadas gincanas
sobre os altos espaldares!
E as camas das noites brancas,
tão brancas!, tão tumulares!
Ciganos. Beijos. Uísque.
Ó fragílimas jangadas,
desmanteladas...!
E nelas há quem se arrisque
sobre os pélagos da vida!
Cigarros. Beijos. Uísque.
Tanta cama numa vida!

E o amor? Tálamo, templo,
conjugação conjugal...
O amor: tálamo, templo
— ilha num mar tropical.
Mas ao redor, insistentes,
bramam as ondas do mar,
do mar da memória ardente,
eternamente a bramar...
Já no frio dos lençóis
há prelúdios da mortalha;
e, nas camas, sugestões
fúnebres, torvas, pesadas...
— Sede, por fim, ó jangadas
desmanteladas,
a ponte do esquecimento
prà outra margem da Vida!

Sede flecha, monumento,
ponte aérea sobre o Tempo,
redentora madrugada!
Se o não fordes, sereis nada,
jangadas desmanteladas,
todas roídas de escamas
da margem de cá da Vida...
Pobres camas! Tristes camas!
Tanta cama numa vida!


David Mourão-Ferreira

Sonho Morto


Nosso sonho morreu. Devagarinho,
Rezemos uma prece doce e triste
Por alma desse sonho! Vá... baixinho...
Por esse sonho, amor, que não existe!

Vamos encher-lhe o seu caixão dolente
De roxas violetas; triste cor!
Triste como ele, nascido ao sol poente,
O nosso sonho... ai!... reza baixo... amor...

Foste tu que o mataste! E foi sorrindo,
Foi sorrindo e cantando alegremente,
Que tu mataste o nosso sonho lindo!

Nosso sonho morreu... Reza mansinho...
Ai, talvez que rezando, docemente,
O nosso sonho acorde... mais baixinho...

Florbela Espanca

22.9.09

Outono



Uma folha caiu
em plena estrada.
Era apenas uma folha
uma folha a cair
no meio da estrada.

Uma folha a cair.
Mais nada.


Manuel Alegre

Prelúdios


Porque sou da terra
preciso da chuva
e para ser verde
de ti tenho sede.

*

Ó meu amor
faz-me ouvir, apenas.
Sê tu a minha boca.

*

O orvalho desta rosa
encarnada que sou
quando me desfolhas
e enlanguesces
é a húmida certeza
que te dou
do prazer que em mim teces.

*

E por estar densa e túmida
plena de amor e alegria
explodi humedecendo
o largo corpo do dia.


Maria de Lourdes Hortas

Barra de Aveiro: Um Agosto




Começam a morrer os últimos pianos do século
arrefece o estio na cabeça
agora almoço e já cai o crepúsculo
esse que me fugia por aí esse tempo
o mesmo rio não se contempla duas vezes no rosto do homem
debruçado fumando no molhe do marégrafo
a mesma Barra de Aveiro não é a mesma
o engenheiro Oudinot sentiria um aperto de coração idêntico

tive todas as alegrias e melancolias assim dito por alto
próprias das idades sucessivas mas nenhuma
que iludisse deveras a velha constatação jónia
cada gesto de mão é sempre um outro

nem sou sequer quem muda mas um outro


Fernando Assis Pacheco

21.9.09

Este nosso país



Dentro das cinzas ainda quentes
ardem pequenos lumes na calma subjectiva da noite.
Não se apagou a fogueira por sono dos homens
mas porque da unidade conhecida partem caminhos
abertos aos passos para o preciso destino. A lembrança daí
e das revoltas cilindradas junta forças no punho das armas.
E quando rebentam disparos na surpresa da opressão
há sangue vivo nas veias inchadas para derramar
pelo sacrifício previsto. São poucos mas destros
os braços que dizem a razão dos feridos rasgos
de milhões de corpos acorrentados. São largos silêncios
translúcidos e tensos avançando palavras mínimas suficientes
em resposta fértil aos gritos da esperança humilhada
calados na verdade ressequida que pranto escondido
pode fazer subir das raízes a seiva de florir.
Passa o tempo bárbaro corroído entre a essência do combate
e a retaguarda cumprindo a sua vontade clandestina
e a tortura sofrida que destrói lábios selados na recusa.
Olhos mãos baionetas fúrias brutas violam sistematicamente
a inocência de crianças e a fertilidade dos ventres maternos
de um Povo negado. O cultivo de algodão para fábricas de fora
onde o irmão operário ignora o mísero camponês que o semeia
permanente curvatura de dorsos acumulando trabalho forçado
e riqueza de bancas multinacionais que paga genocídios
e altos exercícios logísticos e polícias secretas competentes.
A cultura original afeiçoada pelo riso lúbrico burguês
e pela tactura de gordos dedos do turismo financeiro.
Das esteiras fome doença letargo decretadas preguiça
erguidas à ordem-chicote de ficarem solenemente de pé
para cantarem hinos ao poder da ocupação estrangeira
filtrados através do não inútil ódio de gargantas secas.
No heroísmo de tudo atrás e agora e adiante a vibrátil
certeza de vitória consciente. E o fim completo conseguido
para quinhentos anos de morte e revivência. A grandeza do Povo
crescendo igual nas duras conquistas revolucionárias
que aprendemos com a luta das frentes. Este nosso País.

Orlando Mendes

Vêm as últimas aves



Vêm as últimas aves
beber raízes
e Outono.
Tudo cresce para dentro.
Tudo aponta a sombra de ouro
que estremece.


Flor Campino

20.9.09

Homem


Homem.
Meu irmão,
Levanta-te e vem, seguro e firme
Pois razão não há para que sintas tanto pessimismo, tanta descrença!
Não estamos cá?

Então
Por que esperas?
Não tenhas medo!
Vem,
Confiante,
E ampara-te em mim nós
Que o meu nosso
Medo
Inquebrantável, inabalável
Força te dará


Arménio Vieira
Cabo Verde

19.9.09

Port-Wine


O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.

As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.

Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.

O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
Liberta-te, meu povo! – ou morre.


Joaquim Namorado

O Amor


Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
não podemos trair.


Gonçalo M. Tavares

18.9.09

Europa a ferros


Sol, pássaros voando, seara madura...
Este, o poema interrompido.

Só os dias a fio que o não são:
Tempo retido
Como água podre no charco;
Gritos e sangue escorrendo
Como linha de formigueiro
No chão encardido,
Amassando
Pontas de cigarro, vómitos, dentes partidos.

Nem dia nem noite:
Apenas a janela entaipada
(Lá fora a promessa das quatro estações),
E a porta que de súbito se abre,
Guinchando como pássaro agoirento.

O resto, como ressaca distante ou búzio,
São as pancadas surdas, sábias, sádicas,
Como tiquetaque de relógio
Marcando não sei que hora...

Ou se a hora!


Tomaz Kim
Angola

Nua



Porque me despes completamente
sem que eu nem perceba...
E quando nua
por incrível que pareça
sou mais pura...
Porque vou ao teu encontro
despojada de critérios...
liberto os mistérios
sem perder o encanto
do prazer...
Porque
quando nua
sou única
e exclusivamente
tua...


Isabel Machado
Brasil

Amor








Carlos Drummond de Andrade
Brasil

Sonho

Eu tenho um sonho,
e dentro dele milhares
de sonhos possiveis...
em que acredito,
quase sempre
na plenitude
como na forma
em que respiro.

Tânia Tomé



Amor


Coloco o teu ventre
na palma da minha
mão,
rosto feminino, seminu,
a aproximação do amor
possuído, do amor enlanguescido
de paixão.

Coloco o teu ventre
na palma da minha
mão,
pele macia ardendo
num templo repleto
de rituais do
coração.


Jorge Arrimar
Angola

17.9.09


Arrependo-me de a meter num Romance


O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.

Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.

Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,

Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.

Vitorino Nemésio

É tão lindo e contagiante observarmos o país


É tão lindo e contagiante observarmos o país
a partir do alto, onde nos encontramos de momento.
Fico com a impressão ousada, ao tocar na tua boca,
que vivemos equilibrados em relação a
outras nações do globo. O amor não faz a regra,
de facto. Foi com ritmo que o imprimimos
ao iniciá-lo. Confesso que foi através desse
dinamismo que transpus a angústia, vivi e
reinventei as emersas paisagens desta pátria
martirizada por destroços de guerra.
O tempo ajudará a curar a nossa dor e a ferida
que foi a nossa renitente sobrevivência
sobre o espelho de fogo. É por cima desta prova
evidente que te ensino o quanto vale amar
nesta dialéctica de triste viver e ser pássaro,
dentro de uma ténue esperança.


Adelino Timóteo
Moçambique

16.9.09

Mar calmo

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, estar em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa
Esperança


Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade


Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
não me deixes sozinho
esperança.


Almada Negreiros

Intensidades



cessam em ferida as nossas bocas
as nossas bocas evaporadas luzem
arrastando os despojos do amor
descarnado na névoa do tule
da tarde teu corpo como um
deserto treme pensativo agreste

profanação de sombras seculares
onde desabrido geme inútil
o meu corpo ignorado
cujos olhos sepultam flores silvestres
no vasto caminho da alma dos outros...

o vento sublime pelas nossas
bocas evaporadas vai subindo
graciosa carícia de água
que adormece o consolo

somos felizes somos loucos!
onde ondeia a força que nos separa?
no compasso astral!

canto agora ensandecido a tua boca
regato do meu ser bem firme
sopro húmido da aurora
é deus o novo outrora
que perfuma a lama da eternidade
ilusão da maré destas bocas revoltadas
exaustas que arrebatam o pecado

nunca amaram as bocas geladas
que se afastam evaporadas no
ocaso primaveril da luz do teu peito
redondo onde antes entrara
escuro o último raio de sol

quando mortas repetirem este gesto
as nossas bocas na lonjura
intemporal gigante encostadas
às rochas da fome terna onde
aprendemos a sentir a extensão
diluída do que fomos

os lábios que te peço lembram
o arder do fogo que curioso
adormece na vigília da noite
com a amarga ânsia roubada
aos beijos inextinguíveis
das bocas de néctar evaporadas


Henrique Levy
Qualquer Coisa de Paz

Bryony Stretched Canvas Print by Daniel Phill

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausência de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. Milenária
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua área

de esquecimento. Aonde a solidão,
a pesar sobre si, quase que arruína
a luz da fronte onde a atenção domina.

Fernando Echevarría (poeta timorense)




15.9.09

Nem todo o corpo é carne


Nem todo o corpo é carne ... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco?
E o ventre, inconsistente como o lodo?
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor ... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo
É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio
vulto da Primavera em pleno Outono
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!


David Mourão-Ferreira

14.9.09

Dois poemas das redes



I


Do polegar que faz o passo
Do rumo imóvel
As redes crescem

Também de mim e dos meus rumos
as redes entrelaço.

E as malhas
nascem dos nossos dedos
Prisões de frutos
Que o mar nos nega.


II


A lavra do mar era grande
Mas as malhas
Não tinham a largura dos seus grãos

Colhiam corpos
que vinham à tona de um sonho hebo.

Quando as mabangas
prenderam os pés das redes na lama do mar
então
As redes d’água sentiram
a espessura dos seus cabelos crespos.

Arnaldo Santos (poeta angolano)

Sei a linguagem dos teus olhos



Sei a linguagem dos teus olhos,
aves de poiso vacilante,
sem gavinhas galgando
o muro dos dias.

Tudo é incerto e veloz,
nada garante nada,
mas entretanto esses olhos
iluminam-me a casa.


Torquato da Luz

trova



Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

Mário Quintana (poeta brasileiro)

Um dia desses quero ser


um dia desses quero ser
um grande poeta inglês
do século passado
e dizer
ó céu ó mar ó clã ó destino
lutar na índia em 1866
e sumir num naufrágio clandestino


Paulo Leminski
Brasil

Vão breves passando


Vão breves passando
Os dias que tenho.
Depois de passarem
Já não os apanho.

De aqui a tão pouco
Ainda acabou.
Vou ser um cadáver
Por quem se rezou.

E entre hoje e esse dia
Farei o que fiz:
Ser qual quero eu ser,
Feliz ou infeliz.


Fernando Pessoa

13.9.09

O retrato de João Mabandido


Diante carbonizada maquilhagem
Afunilado aspecto despedido da sombra
O estiloso das coçadas Jeans Levis
Mão de palmar no faro apurado de ladrão
João Mabandido era
Brincador de ouro nas orelhas das senhoras
Ora coroado com pneus de lume pendurados no pescoço


Amin Nordine
Moçambique

Algures, num momento de silêncio



Algures, num momento de silêncio,
neste campo aberto que é a minha vida,
de noite,
sempre de noite - quando a magia acontece,
surge uma forma no vento
e nele,
um poema suspirado.
É certo que os poemas são mesmo efémeros
e as palavras um dia serão nada,
desaparecerão no esquecimento das eras
tal como as peles que vestimos
e os nomes que ostentamos.
O poema que é teu,
trazido pela brisa que na relva fresca te desenha,
um dia não será mais que outra coisa,
acompanhando-nos,
na impiedosa sucessão de formas e sabores
que provamos
e temos de largar.

Mas esse teu suspiro
e essa tua forma
e esse teu poema
e esse teu sentido (tão próximo do meu)
pintaram-se no quadro do horizonte
deste campo aberto que é a minha vida...
e de noite, sempre de noite - quando a magia acontece,
a realidade perceptível da ilusão do universo
colidirá com nossos fogos,
ardendo em uníssono,
dançando no mesmo vento
que agora desenha nós os dois,
que agora suspira o ar quente da cama embriagada,
que nesse momento se deixa entregar...
no mesmo campo aberto que é a nossa vida
e de noite - quando a magia acontece,
àquela pequena parte de um segundo
de uma eternidade passageira.


Rui Diniz

Imperfeita madrugada



como dizer aos meus olhos que se afastem
do incêndio que lavra a oriente do teu sangue
rasgando a minha fome

e me protejam nesta imperfeita madrugada
em que as línguas dos homens e dos anjos
se confundem


Alice Vieira

12.9.09

Dentro de Mim



Dentro de mim há vozes que não calam ...
Tantas canções diversas, distraídas ...
Dentro de mim existem tantas vidas,
Tantas pessoas que por mim passaram ...

Dentro de mim habitam anjos calmos,
Também demônios em oposição ...
E eu cá de fora ouvindo essa canção
Por entre o mal e poderosos salmos ...

Observando as forças e os temores,
Olhando o ódio em luta contra amores,
Eu vejo a Vida borbulhar sem pressa ...

Passam-se horas, dias, tantos anos ...
O meu cansaço chora os desenganos
E a eternidade diz-me: recomeça ...


Sílvia Schimidt
Brasil



É doce envelhecer quando o que avança
e ir recrudescendo a inteligência.
Entra-lhe o mundo no vagar. Decanta
o seu volume inteiro de contenda.
Transporta-se. E entrega na palavra
a inteligível criação. Entrega
o desenvolvimento. O pulso. A trama
que ajustam sua refundacão aberta.
E a docura de se ir vendo alarga
o envelhecimento a quase ciência.
Uma ciência onde o enigma é alma.
E onde o mundo contunde. Insiste. E pesa.

Fernando Echavarria (poeta timorense)



11.9.09

O Luar



O luar,
é a luz do Sol que está sonhando

O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...

A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...

Mário Quintana (poeta brasileiro)

8.9.09

A lua



Tenho de repensar a minha vida,
disse-me, e acrescentou:
ser-se feliz é não ter esperança.
Lembrei-lhe o sol e o mar
que hoje vejo sozinho nesta praia,
e respondi não há quem viva assim,
ainda que a esperança não exista.
Mas vi-a olhar o céu,
dizendo que sorte é termos a lua
- rege-nos as marés e o corpo -,
e que amava o seu rosto claro,
um espelho de luz na noite
onde se olhava já sem sonhos.
Nem suspeitou ser isso a esperança,
a lua e os espelhos sem mais nada,
a música que ouvíramos
e o mar além, atrás das dunas.


Nuno Dempster

7.9.09

O Poema que hei-de escrever para ti



O poema que hei-de escrever para ti, dando notícias
Do último reduto das coisas, das profundidades intactas,
Nasce, adormece e referve-me no sangue
Com a íntima lentidão dos teus seios desabrochando,
Porque, sei, não estás longe (nem da minha vida!), meu mistério

fiel.


Hoje a nossa companhia é a tua inconsciência e o teu instinto: puro

Instinto que eu, de longe, embalo e velo
E acordará («em frente!») às primeiras palavras
Do poema, quando ele despontar.


Cristóvam Pavia

Um verso hebraico

A Estrela d'Alva

Que esta luz não me esqueça.
Quando tu afastares a cortina
E a minha cabeça, lembrada, te
Mostrar a sua garra em terra.
Subiste. No fragor da chegada:
Kervan kiran. Kervan kiran!
Um momento disse ela. E parámos.
Ervas de judeus e pegas anil.


Gil de Carvalho

6.9.09

Cesário foge pelos herbanários



Cesário andava pela cidade com plantas
silvestres metidas na cabeça
Irrompiam-lhe nas calçadas no repuxo das fontes
no grito das varinas no trote das patrulhas

Ninguém sabe contudo que em fidelíssimo segredo
deixou outro livro do qual Silva Pinto nada soube
Nem o Caeiro da planta é uma planta é uma planta
que se apanhasse fechava-o à chave na arca

para girândolas futuras dos casmurros das Universidades
Mas nada de suspense O livro é apenas um herbário
todo rechonchudo de coisas trivialíssimas
como a receita para lavar manchas de amora nos bigodes

ou de como arrancar sem dor cucos de tojo que um dia
lhe pegaram uma coceira dos infernos Depois há folhas
e folhas amarelecidas de chuvas-de-oiro mongaricas
urzes torgas estevas-dos-saloios sarças

alecrins alfenas lentiscos e loendros
Um nunca acabar Ao lado de um esparto
a nota: tenho o pulso como um cajado de pastor
e meus dedos amadurecidos como um céu de Verão

Assim se sentimentaliza um ocidental
Confiar como? Se quando menos se precata
salta ou voa sobre a Dor humana
e as marés de fel como um sinistro mar?

Folhear o herbário é vê-lo como abria as portas
A toda a moscaria É vê-lo esquecer-se da Cólera
E da Febre Ver como deixava que a terra lhe marinhasse
Como um vinho de fogo pelo exangue corpo acima

E ver isso é bom Admirar-lhe os ouvidos
encostados ao sol à escuta que os estames
e pistilos se pusessem a ferver O pólen
a descer o corrimão da luz até cobrir de um certo oiro

a sombra pisada da sua melancolia O vinho
a espirrar numa chuva muda de palavras
Coisa estranha: o cântico de um homem
expresso em folhas secas caules flores

breves notas num herbário como: é meu irmão
o entrecasco de sobro bom para a taninagem
As maçãs de espelho não andam bem empapeladas
Fica-lhes mal o verde e a serradura


Alexandre Pinheiro Torres

Vem, das estradas longínquas da minha terra





Vem, das estradas longínquas da minha terra
Vem, das estradas do mar, do céu e do infinito
Vem, célere cruzando
As inúmeras vigas dos tempos e dos espaços
Na diversidade de terras e dos tempos que nos barra
Vem, falemos só uma lingua
Vem, das ruas claras das cidades
Na respiração pura das acácias e micaias da minha
Terra
Vem, da vegetação densa dos cactos
Das matas que eternizam a nossa máxima plenitude
Vem, das valas que sulcaram impunes nossa terra,
Drenaram nossa esperança, mas vem
Traga os ventos que morrem impregnados na ânsia
Traga também os tempos cravados na lápide
Traga consigo os destroços inesquecíveis do verbo
E do verso que já se desfaz em clamor
Vem,
Ganhem forma os ventos!
Na calada da noite ou com sol ardente
Vem,
Surja poeta como lua subtil
E ilumine nossas mentes à volta desta fogueira
Traga na memória dos tempos
A dócil palavra dos povos
O canto perene das almas
Vem,
Traga os destroços do meu país por aí recalcados
Na imensa vegetação de versos
Traga da espuma homogênea do índico
A poesia e o clamor de África, traga meu irmão!
Traga do meu Índico sedento
A maresia que nos incha as almas de vertigem
Traga, meu irmão, traga
Quem exaltará a dor e Cl[amor] do nosso povo
Minguado?
Quem exaltará o peito habitado de Tchopo
Ritmo que dançavamos á roda a madrugada na
Nossa terra?
Quem exaltará no peito,
Ngalanga que retumbava ao entardecer na nossa
Zona?
Aquela ngalanga que tocavas e evocava Duma Ka Zulu se lembra?
Quem exaltará nos sonhos
Nossa casa possessa do espirito Ndaw?
E a nossa timbila de zavala
Que tocava e dançavamos ao ritmo chope, então?
Canta nesta fogueira seu povo
Conte sua história nesta fogueira antes que se
Apague
É a podridão do nosso povo, não é?
Fale,
Fale então da podridão dos negros
Á falacia com que se inventa um sorriso
Quando se inicia uma história, uma lenda, um conto...
Então, Conte!
Cada história um povo
Cada verso um rosto
Cada voz um timbre
Nesta brasa de letras que se esfuma a poesia
Traga essa chama que a alma atea
Nesta fogueira da alma que ao texto ilumina
Traga o verso e nada mais
Na calada da noite,
Ou com o sol ardente, vem
Traga a voz que dilacera os conceitos
Traga a força apocaliptica do verso comprimida em
Suas mãos
Traga de tudo que nos é consentido saber
A poesia será o doce orvalho
Que nos delicia delicadamente as almas
A cada verso que se liberta do seu peito pulmonado
Para esta fogueira,
Traga aquela melodia subtil
Com que os corvos pacientaram as noites cegando
Aquelas melodias, com que as cigaras cantaram
E iluminaram as noites de Nkaringanas
Nkulukumba,
Desça tatana dos céus relampejando
Solte na sua luz um pedaço de tempo que já
Perdemos
Fale da inocência dos versos de ontem e de hoje
Oprimidos
Do folclore do nosso povo escaldado
Tatana tatana,
Há homens que incendiaram nossa palhota de preces
Homens que no arminho recalcaram pedra
Há homens que no charuto tostaram uma palavra
Então, traga a semente
Que germinará a casa e árvore poética dos puerís
Tatana tatana,
Desça macumba das nossas mínguas e soluços
E nos aponte com destreza mesmo ofídica
Que aquele oficio é poesia
Que aquele minguado é poeta
Com os versos guardados no seu bolso só para ele!
Traga tatana esse poeta
Traga da cabeceira os sonhos desse poeta
As lágrimas dum poeta pingados na pedra
Traga dos escombros também um verso
Da palavra uma míngua, do verso um amor
Da poesia as almas
Dê-me esse trago agora tatana
Antes que o vento maldito nos apague
Nossa fogueira de lenha
Quero dizer um poema também
Quero contar uma história também
Traga também seu xiphefo tatana
Que ilumina estrelas aqui cintilando
Tantas cobertas de neve que não as vejo
Traga tatana depressa
Tio mbalele quer dizer seu poema
Tio Mbalele quer contar sua história
Tio Mbalele quer cantar
Traga tatana traga ... He, já começou!
-Nkaringana wankaringana!
-Nkaringana wankaringana!

Noé Filimão Massango
Moçambique

Dívida ou dádiva


Dívida ou dádiva,
o que de mim sobrar
Será entregue a quem o reclamar
Como a água,
Sou o meu lugar de nascimento.
Como o fogo,
Sou a alma e o dia.
O dia está depositado em meu coração
Como o vinho nas adegas.
Dívida ou dádiva
Compreendo que nunca estive,
Ou estarei só.


Ivo Machado