Não
Em torno aos meus sentidos,
Nos quais prevejo erguidos
Paços reais de mistérios.
Cinjo-me de cor,
E parto a demandar.
Tudo é Oiro em meu rastro –
Poeira de amor...
Adivinho alabastro...
Detenho-me em luar...
Lá se ergue o castelo
Amarelo do medo
Que eu tinha previsto:
As portas abertas,
Lacaios parados,
As luzes, desertas –
Janelas incertas,
Torreões sepulcrados...
Vitória! Vitória!
Mistério é riqueza –
E o medo é Mistério!...
Ó paços reais encantados
Dos meus sentidos doirados,
Minha glória, minha beleza!
(– Se tudo quanto é doirado
Fosse sempre um cemitério?...)
Heráldico de Mim,
Transponho liturgias...
Arrojo-me a entrar
Nos Paços que alteei,
Quero depor o Rei
Para lá me coroar.
Ninguém me veda a entrada,
Ascendo a Escadaria –
Tudo é sombra parada,
Silêncio, luz fria...
Ruiva, a sala do trono
Longes se aglomeram
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Ecoa roxa aos meus passos.
Sonho os degraus do trono –
E o trono cai feito em pedaços...
Deixo a sala imperial,
Corro nas galerias,
Debruço-me às gelosias –
Nenhuma deita p'ra jardins...
Os espelhos são cisternas –
Os candelabros
Estão todos quebrados...
Vagueio o Palácio inteiro,
Chego ao fim dos salões...
Enfim, oscilo alguém!
Encontro uma Rainha,
Velha, entrevadinha,
A que vigiam dragões...
E acordo...
Choro por mim... Como fui louco...
Afinal
Neste Palácio Real
Que os meus sentidos ergueram,
Ai, as cores nunca viveram...
Morre só uma Rainha,
Entrevada, sequinha,
Embora a guardem dragões...
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– A Rainha velha é a minha Alma – exangue...
– O Paço Real o meu génio...
– E os dragões são o meu sangue...
(Se a minha alma fosse uma Princesa nua
E debochada e linda...)
Mário de Sá-Carneiro
Lisboa, 14-12-1913
Lisboa, 14-12-1913