Dormíamos na mesma cela
Acordávamos do mesmo sono
Cada sílaba audível
Completamente nua
Feria dum segundo sénticfe.
O palato hipertenso
Da fria cela dezanove
Farrapos de ambiguidade
Pendiam pelas arestas
Das mais afoitas vogais
Ninguém pressentia
No gume acerado
Da quase indiferença
Que o silêncio aparentava
O perfeito sincronismo
Das sílabas dispersas
Pêlos tímpanos de cada um
Nada sabíamos de nós próprios
Além da angústia lacerante
Coagulando-nos um a um
Nos limites da expectativa
E no écran memorial
Milhões de imagens se degladiando
Era o silêncio devorando o silêncio
Era o silêncio copulando o silêncio
Era o silêncio assassinando o silêncio
Era o silêncio ressuscitando o silêncio
Oh o silêncio o silêncio
Maldito silêncio colonial
Fuzilando-nos um a um
Contra as paredes da solidão
Oh o silêncio o silêncio
Maldito silêncio imperial
Sepultando-nos um a um
Sob os escombros de Portugal
Rui Nogar
Moçambique
Moçambique