15.6.09

Pequeno Ciclo do Tempo


Para a Maria Lúcia


INTRODUÇÃO AO TEMPO


1

Onde estavas floresce o teu mito.
Aparelhas o rosto, o amplo e severo
gesto da mão apanhando no ar
o objecto incólume, com galhardia,
sem ostentação.
Rodeias-te dos punhais de aço cristalino,
das automáticas granitadas e puras -
um arsenal azul-aço e cobre
corolando fogos-fátuos de gestos
contidos - a esperança do ver e tactear
o radiar do tempo. Vês como é fácil?
Abre o leque aracnídeo dos telhados,
adivinha a digitalidade destas colinas
já ensombradas, decapita esta poalha
cinza e ouro.
Alongaste-te nos indivisíveis mistérios
da rota, pelas baías mansas e coralinas
afagadas de sol e panóplias de cristais,
encobrindo espectros de cimitarra à cinta,
turbantes, esmeraldas e arcas, arcabuzando
a linha do horizonte com seus arremedos
e gritos guturais nas enxárcias.
Vês como é fácil escamotear a onírica verdade?


2

Na senda ondulada do asfalto alguma coisa
te cria, inverte. São os traços convulsos
da morte, a ladainha biológica que sabes.
Cada descoberta que fazes é a antecipação
do dia imediato, garras de aves esgaravatando
o chão de sílica, em espamos, a conspiração
acre e dolorosa de viver. No tempo estás fluído:
a bússola que tens no coração volteja
o teu infinito, é o teu sangue perdido,
quando acaricias o destino em exaltação,
escorrrendo neste rio que goteja na nascente
- a aurora dos sábios - um líquido espesso
e feroz que corrói os tecidos de cardos
roxos, a película que volteja no ar fino
adejando ao ritmo que compassas.
Ergues-te sorridente e cais.


3

Será que este instante te acomoda no tempo?
A desvanecer-se como o tufão que mercuriza
os ilhéus, um trigo lento e milenar em germinação,
a pirâmide que se anguliza.
Somos cúmplices, onde o rosto desponta
e devora e surge a cidade submersa da infância,
há um calor tão denso quanto é estridente,
rumorejante, a tua memória.
Sentes no teu dorso o escaninho que conduzes?
Avalias o que isto cala para a jornada?
Contém gestos e palavras. Alucina-te,
mas silencia. Corrói-te. No invisível despontar
das sombras compassa o futuro, dilacera
lentamente o pão. Alonga as facas
que cristalizam os gestos. É já o momento
chegado. Aguarda ainda, não soltes os cães
da noite, as esponjas envolventes,
nas áleas de choupos que bordejam
os pequenos rios, sê contido até cercares,
interrompe a dor que te sobe no peito,
a crisálida da fúria. Ataca.