Faz muitos anos que me oculto,
quedo, estendido ao longo desta muralha.
Infectas as feridas são vivas
e secam em falso oblongas crostas.
Estendido em silêncio e torpor:
Vinte e tantos anos de idade
e outros tantos de medo.
O medo da palavra e do gesto,
medo na aba do chapéu e na gabardina,
medo de ti que me olhas na avenida,
medo escorrido ao longo da fachada,
mergulhado nas poças brilhantes do asfalto.
Não tenho culpa de ter medo,
nasci no tempo impreciso do medo.
Não temo o rosto diverso da morte,
não temo a ameaça da nuvem atómica,
não temo o suceptível de ser temido
há dois mil e tantos anos.
Temo a disfarçada ameaça indisfarçada,
temo o honor da angústia a todo a hora,
temo o temor do tempo do medo.
O medo infla, cresce e avoluma-se.
Impregna-se na carne, no cerne das unhas,
veste a tepidez da epiderme e o frio dos ossos.
Total, domina, obstrui, materializa-se em suor.
Pela calada sombria vireis na hora próxima.
Prevenido de medo, farto de medo,
tremo, e este modo é uma ameaça
que se oblitera e volta contra vós.
Rui Knopfli