25.9.09

Não é ciúme o que eu tenho.



Não é ciúme o que eu tenho.
É pena,
Uma pena
Que me rasga o coração.

Essa mulher
Nunca pode merecer-te;

Não vive da tua vida,
Nem cabe na ilusão
Da tua sensibilidade,
– Mas é bela! Tu afirmas
E eu respondo que te enganas.

A beleza –
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza –
Não é mais do que o desejo
Fremente que nos sacode...
– O resto, é literatura.

Conheço bem os teus nervos;
Deixaram nódoas de lume
Na minha carne trigueira;
– Esta carne que lembrava
Laivos de luz outonal,
Doirada, sem consistência,
A aproximar-se do fim...

Eu já conheço o teu sexo,
Tu já gostaste de mim.

A frescura do teu beijo
E o poder do teu abraço,
Tudo isso eu devassei...

Não é ciúme o que eu tenho;
Mas quando te vi com ela
Sem que me vissem, chorei...

(...)

Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha –
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.


António Botto