agora escrevo-te meu amor
e permaneço pássaro fugido
vigiando os teus medos se anoitece
os teus fantasmas franjados de queixume
atravesso as paredes com lâminas nos dedos
para chamar-te minha
nesta paisagem húmida
de lama cimento e vazio
arrasto as minhas horas
cilícios como espadas
de afiados gumes
e percorro as ruas
temendo-te livre
(o corpo farto de não saber
onde encostar-se e pernoitar
até onde ir para matar tanto tempo)
as meias-noites
passo-as a forjar no meu esconderijo
estes nervosos enigmas
com meu rosto no espelho
com meus olhos de vidro
e trago-te amarrada
por um caminho seco
por onde ninguém passa
aí é que te mato
para que sejas minha
e confias-me os pulsos
o corpo quente
de gazela ofegante
presa na armadilha
depois que fazer da distância
ou desta falta de jeito
para estar só
que fazer ainda dos teus braços
caídos na partida?
apago o último cigarro
e encosto-me
ocupado que estou
com a vigília
Lourenço de Carvalho
Moçambique
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