trouxe um bilhete à Cegonha,
em folha de pessegueiro,
que ela soletrou, risonha:
«Dona Raposa, a Vossência,
envia muito saudar,
aguardando a comparência
de Vossência no jantar
que às Tantas do dia Tal
do corrente, se efectua
no Retiro do Pardal,
na rua da Catatua.
Não diga nada ao correio
e creia-me ao seu dispor.
Traje: simples, de passeio
R.S.F.F. (Responda, se faz favor).»
É claro: à hora marcada,
no dia Tal, no bilhete,
Dona Cegonha, apressada
lá seguiu para o banquete.
Mas foi uma decepção,
pois a Raposa, matreira,
fez servir a refeição
numa pedra da ribeira...
E, enquanto a pobre Cegonha
achava o caso bicudo,
a Raposa, sem vergonha,
tratava de comer tudo!
Mas a Cegonha, à saída,
despediu-se em tom amigo:
- Gostei muito da comida!
Almoce amanhã comigo!
De manhãzinha, a Raposa,
sempre cheia de apetite,
não quis saber doutra coisa
senão daquele convite.
- Sim, senhora! Bela mesa! -
gritou logo, satisfeita –
Cheira que é uma beleza!
Há-de me dar a receita...
- Bem digo eu, afinal,
e a colegas das melhores,
que dona de casa igual
não há nestes arredores!
Pôs então o guardanapo,
pensando, de olhos em alvo,
que havia de encher o papo
graças a mais um papalvo...
Já a Cegonha servia,
prazenteira, o seu almoço,
numa bilha muito esguia
e funda que nem um poço.
Só um bico, desta vez,
podia chegar ao fundo...
Foi o que a Cegonha fez:
rapou tudo num segundo.
E fula, de olhar em brasa,
a Raposa, como louca,
teve de voltar a casa,
fazendo cruzes na boca.
Vingança é coisa mesquinha!
Mas na vida quem faz mal
paga às vezes a continha
com juros e capital...
Adolfo Simões Muller