26.3.08


Distante Melodia


Num
sonho de Íris morto a oiro e brasa,
Vem-me lembranças doutro tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule –
Um tempo esguio e leve, um tempo-asa

Então os meus sentidos eram cores,
Nasciam num jardim as minhas ânsias,
Havia na minha alma outras distâncias –
Distancias que o segui-las era flores...

Caía oiro se pensava estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
– noites-lagoas, como éreis belas
– sob terraços-lis de recordar-me!...

Idade acorde de inter-sonho e Lua
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz – anseios de Princesa nua ...

Balaústres de som, arcos de amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Domínio inexprimível de ópio e lume
Que nunca mais, em cor, hei–de habitar...

Tapetes de outras Pérsias mais Oriente...
Cortinados de Chinas mais marfim...
Áureos templos de ritos de cetim...
Fontes correndo sombra, mansamente...

Zimbórios-panteões de nostalgias,
Catedrais de ser – eu por sobre o mar ...
Escadas de honra, escadas só, ao ar ...
Novas Bizancios – Alma, outras Turquias...

Lembranças fluidas ...cinza de brocado ...
Irrealidade anil que em mim ondeia ...
Ao meu redor eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia...


Mário de Sá-Carneiro