O caderno onde escrevo trouxe-mo a minha filha
de viagem. Tem «O Grito» de Munch sobre o corpo.
Sinuoso e disforme, auto-retrato raso, a boca em
verde, as mãos acompanhando a curva da cabeça,
e o resto em disjunção — como esse céu. As cores
serão de pouco mais de século, foram nórdicos dedos
a compô-las. Mas há nessas figuras ao fundo de uma
estrada, de uma ponte (divisão de harmonia e des-
conforto, de um azul escuro a encostar-se ao negro),
uma implosão comum. É uma ponte, tem que ser
uma ponte o que se vê, e o caos que se desenha
nesse rosto não deve estar atrás, mas no que está à
frente, no caminho. Qualquer futuro, invisível daqui.
E há os pequenos barcos, perigosamente em centro
indefinível. Redemoinho? Sol? Seja o que for, reflecte,
parcialmente, um amarelo quente, ameaça de um astro
que se põe. Ou de um meio-dia atravessado a ventos
ondulantes. Podia-se (inviamente) inverter o caderno,
ver em diagonal. Mas seria uma imagem semelhante
à do caderno inteiro. Mesmo que do avesso, havia de
falar a mesma dor. Curvo e sinusoidal, o mesmo espaço.
Só a cerca castanha, precipitada no abismo verde,
é breve protecção.
Ela, e a mão que, de viagem, me trouxe este caderno.
Um pouco ainda, também, as suas folhas, que, por
enquanto (e quase todas), brancas, lhe são um forro
quase mudo. Quase —