Cala-te, mar!
Tu que despedaças os barcos dos pescadores
para aumentar de lágrimas nas praias
as ondas de alta morte,
e embalas peixes de sol
no desmaio das aguarelas
com poentes fulvos
a porem impossibilidades de tormentas
nos salões de seda dos palácios.
Deixa ouvir a minha voz no mundo
pegada de toda a miséria dos caminhos
de súbito tão azul nos olhos daquela Criança
a sofrer a dor cósmica de não ter pão,
o pão negro dos abismos e das vielas
fabricado com o suor cósmico dos homens.
Mas que te importa, mar?
Que te importa mais uma criança do tamanho da morte
com os olhos da cor de ignorar tudo na vida menos a fome?
O que queres é berrar, berrar uma dor qualquer sem sentido
para cobrir a minha voz de protesto de espada
- terrível como um grito insuportável de doer.
O que queres é berrar
-mar inútil! Mar enorme! Mar que dás a volta ao mundo
e és tão pequeno ao pé destas lágrimas
que me caem dos olhos,
frias e ardentes como balas.
Mar.
Lágrima de ninguém.
Não queiras cobrir-me a voz
com o furor da tua boca de espuma
onde nem há rogos de náufragos nos rasgões do vento.
Não me obrigues a rugir mais alto do que tu
numa indignação de tempestade de silêncio
que lança raios dos homens para as nuvens.
Cala essa ira de falso gigante
a esculpir rochas, a escavar penedos,
a rachar montanhas de alto a baixo com bramidos.
E tudo para quê?
Sim. para Quê?
Para os piratas esconderem tesouros nas ressonâncias das furnas
e as nereidas deixarem-se sugar pelos polvos em núpcias de morrer?
Ah! cala-te, mar?
Cala esse tumulto vão de água, faíscas e relâmpagos
-cenário indiferente duma tragédia que os homens não entendem,
que eu pelo menos não entendo,
nem quero entender,
por mais que os meus colegas poetas chamem drama cósmico
ao teu cuspir de amor para as estrelas.
Cala-te, cala-te, mar!
Não queiras abafar a minha voz
com tempestades pagas pelos ventos ricos.
José Gomes Ferreira