24.2.08

Negro



Dorme a menina
enquanto o escravo vela.
E enquanto ela sonha
ele espreita a vida no limiar da janela.

Como seus irmãos
que cruzam a estrada
e arrastam grilhetas
ele sente esmagada
suas mãos e sua alma.
Como seus irmãos
aprendeu a esconder
a dor da sua dor.
Aprendeu a sofrer
e a sorrir sem rancor.

Seus olhos vão postos
na dona menina
que sonha e sorri
e pensam na cor
que deus deu à pele
da dona menina
e é causa da dor
da dor infinita
dos negros escravos
que são seus irmãos
e arrastam na estrada
pesadas nas mãos
mil saudades loucas
feitas de tragédia.

Dorme a menina
Enquanto o escravo vela.
E enquanto ela sonha
ele espreita a vida
no limiar da janela!...


Virgílio de Lemos
Moçambique