27.4.10

Um vento - erosão do tempo

Sangha Market Art Print

A palavra dorme
no flanco das serras
faz nuvens de tempo
e cava ribeiros
com os caudais do som.

A palavra medra
no fundo das covas
exala vapores
desfaz-se em poeira
de cáustica cor
adere às camadas
mais finas da pele
desfaz as mãos dadas
do amor indeciso
e embala crianças
negras que arrefecem.

A palavra invade
o pudor das grutas
as veias dos bosques
o céu das lagoas.
A palavra esculpe
nas furnas de grés
a fresca ventura
de meninos nus.

A palavra está
na cama dos fósseis:
dorme há milhões de anos
nas asas do raio
que petrificou
a aurora dos dias.

A palavra roda
no selim da infância:
marítima luz
ladrilho de sal
um disco que disca
com o centro na cinta
e amputa a paisagem
ao nível da idade.

Ruy Duarte de Carvalho (Angola)