Ser a raiz das coisas
dentro na terra mergulhar
não por ser raiz
- prosápia dos tiranos -
mas curiosa
primordial volúpia
de conhecer
o que não se pode e é;
armar entre os trâmites da terra
- seca, fera e estéril -
uma sementeira próspera,
escolher um a um os grãos
que hão-de guiar os olhos,
vigias da alma
mais que olhos,
felizes arquivadas folhas
de servir
aos dedos impacientes
- mesmo deus tem dentro um deus profundo -
com que o poeta traça
o seu destino cego,
quando os dedos penetram,
rasgam, dentro da terra
enterram, e se enterram
talvez sonhando das coisas ser
a raiz,
a última razão.
António Mega Ferreira