9.6.07


Orfeu


Deixem-me a pedra fresca à face quente,
Condão da noite, íntegra em seu corpúsculo,
E lá deite a cabeça de repente
Como a bolha do Sol cai no crepúsculo.

Asa de ave sem canto é aquele ramúsculo
Que me caiu na testa. - E tanta gente
Vê nossa alma coroada! Oh! triste músculo
O coração do poeta que o não sente!

Um cansaço de morte gela o ousado
Domador de palavras como feras.
Orfeu sem Orco, ínvio ladrão de lume,

Quando, afinal, doméstico e roubado
Foi ele na paz da pedra, - e a outras quimeras
Sua coroa de rosas se resume.


Vitorino Nemésio