Às vezes, ocorre
um autor estar
aquém
- do próprio texto.
De o texto ter-se feito,
além dos dedos,
como gavinha que inventou
a direção de seu verde,
e fonte que minou
o inconsciente segredo.
Um texto ou coisa
que ultrapassa a régua,
a etiqueta e o medo,
copo que se derrama,
corpo que no amor
transborda a cama
e se alucina de gozo
onde havia obrigação.
Enfim, um texto operário
que abandonou o patrão.
Às vezes ocorre
um autor estar aquém
da criação.
O texto-sábio
criando asas
e o autor pastando
grudado ao chão.
- Como pode um peixe vivo
estar aquém do próprio rio?
- Que coisa é esse bicho
que rompe as grades do circo
e se lança na floresta
no descontrole de fera?
- Que coisa é essa
que se enrola?
É fumaça? ou texto?
que se alça do carvão?
Lá vai o poema ou trem
que larga o maquinista
na estação
e se interna no sertão.
Ali o poema
olhado de binóculo
- só de longe tocado -
e o autor, falso piloto
largado na pista ou salas
do aeroporto, atrás do vidro,
enquanto o texto
levanta seu vôo cego
com o radar da emoção.Enfim,
um poema que vira pássaro
onde termina a mão
ou avião desgovernado
que ilude o autor e a pista
e explode na escuridão.
Affonso Romano de Sant'Anna
(poeta brasileiro)
(poeta brasileiro)