15.1.07


Cinzeiro


À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém

Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!

Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...

Os fósforos
são carregamento
e a cinza
são as cinzas das fornalhas...

Deito nele
pedacinhos de papel que eu rasgo,
- restos de algum poema...
São cartas para longe.

Voam à roda do meu cinzeiro
pequeninos insectos tropicais
companheiros nocturnos
dos poetas da minha terra

São os pássaros marinhos,
as gaivotas
que vêm espreitar
de perto o paquete

Empurro-o com a mão
e o paquete lá vai
com o rumo traçado
através do Atlântico

Lá vai!
E como é bom partir
mesmo dentro
da nossa fantasia
Lá vai!
Os passageiros da primeira
passeiam no deck
ou jogam o bridge...

E a rapariga loura
estira-se indolente
na cadeira de lona
a ler um romance...

No convés da terceira classe
um emigrante qualquer
debruçou-se na borda
olhando o horizonte...

Sou eu.

Jorge Barbosa (poeta caboverdiano)