Andei com Maiakovsky a servir
sumos de ananás num Bar de putas.
Por essas noites, a noite cheirava a mijo
e a ódio. Sim, a mijo e a ódio.
Um homem costumava entrar
e perguntar pelo seu irmão.
Nunca estava. O seu irmão
nunca estava e, então, o homem
desaparecia
sem mais interrogações.
Um dia houve uma guerra num vaso de flores
e na noite desse dia o Bar fechou.
Reabrimos na noite seguinte
muito orgulhosos da nossa guerrazinha
que continuava, mas agora
de certo modo longe do nosso local de trabalho.
Voltámos a servir sumos de ananás
regularmente. Maiakovsky
não usava meias desde a guerra
e as putas quase sempre comentavam isso.
Constou nessa altura
que tinha morrido como um valente
o homem que costumava entrar
e perguntar pelo seu irmão.
Confirmámos isso quando o irmão dele passou a frequentar o Bar
sem fazer uma única pergunta.
De vez em quando tínhamos de pôr fora
os clientes que se embebedavam.
Alguns, no auge da noite,
pretendiam ser Deus,
outros,
faziam discursos que irritavam os chulos
diziam coisas tremendas
e um deles era um general de cavalaria
que ao terceiro copo já queria vender as esporas.
No último verão houve a crise do ananás
e passámos a servir batidos de morango.
As putas adoravam.
Maiakovsky olhava de soslaio umas vezes,
outras, pelo cantinho do olho
e fazia-me sinais.
Eu levantava geralmente os cinzeiros e as gorjetas
Enquanto ele passava um pano húmido
Pelo tampo das mesas.
Dividíamos desta maneira o nosso trabalho
porque ele era alérgico ao cheiro das notas
e a mim dava-me prazer
ajudá-lo no que pudesse.
Uma tarde veio num jornal que ele tinha morrido.
Nem ele próprio acreditou.
Ficou desiludido, muito desiludido mesmo
e confessou-mo.
Não chegou a haver entrevistas, fotógrafos, nada.
Ele fez as malas calmamente
(e, no entanto, esqueceu-se de uma gravata),
abraçou-me e partiu com
lágrimas nos olhos.
Então, sozinho, abri o Bar apenas
uma ou outra noite em que senti saudades.
Por vezes entravam turistas americanos
que me ofereciam somas terríveis
pela cadeira onde ele costumava sentar-se
nos nossos dias de folga.
Quase nunca chegava a responder.
Eles percebiam o meu olhar e não diziam nada,
não insistiam mais.
O mesmo acontecia com as putas,
que deixaram de fazer-me perguntas.
Creio que agora estou desempregado.
Fechei o Bar definitivamente.
Muita coisa mudou embora as noites
continuem hoje a cheirar
a mijo e a ódio.
Faleceu o general
que negociava as esporas ao terceiro copo,
Deus caiu abaixo da sua bebedeira,
e eu acabei por vender a cadeira do meu camarada
que está agora algures no Colorado atrás de uma secretária
num
Boss Office de uma fabriqueta de pastilha elástica.
Estou mais novo
e vou sobrevivendo a todas estas recordações.
Mas quando agora saio por aí, de noite, roído de saudades,
já nem mesmo as putas,
as mesmas putas,
me reconhecem.
Joaquim Pessoa