Sobre o dorso possante do cavalo
            Banhado pela luz do sol nascente
            Eu penetrei o atalho, na floresta.
            Tudo era força ali, tudo era força
            Força ascencional da natureza.
            A luz que em torvelinhos despenhava
            Sobre a coma verdíssima da mata
            Pelos claros das árvores entrava
            E desenhava a terra de arabescos.
            Na vertigem suprema do galope
            Pelos ouvidos, doces, perpassavam
            Cantos selvagens de aves indolentes.
            A branda aragem que do azul descia
            E nas folhas das árvores brincava
            Trazia à boca um gosto saboroso
            De folha verde e nova e seiva bruta.
            Vertiginosamente eu caminhava
            Bêbado da frescura da montanha
            Bebendo o ar estranguladamente.
            Às vezes, a mão firme apaziguava
            O impulso ardente do animal fogoso
            Para ouvir de mais perto o canto suave
            De alguma ave de plumagem rica
            E após, soltando as rédeas ao cavalo
            Ia de novo loucamente à brisa.           
De repente parei. Longe, bem longe
            Um ruído indeciso, informe ainda
            Vinha às vezes, trazido pelo vento.
            Apenas branda aragem perpassava
            E pelo azul do céu, nenhuma nuvem.
            Que seria? De novo caminhando
            Mais distinto escutava o estranho ruído
            Como que o ronco baixo e surdo e cavo
            De um gigante de lenda adormecido.           
A cachoeira, Senhor! A cachoeira!
            Era ela. Meu Deus, que majestade!
            Desmontei. Sobre a borda da montanha
            Vendo a água lançando-se em peitadas
            Em contorsões, em doidos torvelinhos
            Sobre o rio dormente e marulhoso
            Eu tive a estranha sensação da morte.           
Em cima o rio vinha espumejante
            Apertando entre as pedras pardacentas
            Rápido e se sacudindo em branca espuma.
            De repente era o vácuo embaixo, o nada
            A queda célere e desamparada
            A vertigem do abismo, o horror supremo
            A água caindo, apavorada, cega
            Como querendo se agarrar nas pedras
            Mas caindo, caindo, na voragem
            E toda se estilhaçando, espumecente.           
Lá fiquei longo tempo sobre a rocha
            Ouvindo o grande grito que subia
            Cheio, eu também, de gritos interiores.
            Lá fiquei, só Deus sabe quanto tempo
            Sufocando no peito o sofrimento
            Caudal de dor atroz e inapagável
            Bem mais forte e selvagem do que a outra.
            Feita ela toda de esperança
            De não poder sentir a natureza
            Com o espírito em Deus que a fez tão bela.           
Quando voltei, já vinha o sol mais alto
            E alta vinha a tristeza no meu peito.
            Eu caminhei. De novo veio o vento
            Os pássaros cantaram novamente
            De novo o aroma rude da floresta
            De novo o vento. Mas eu nada via.
            Eu era um ser qualquer que ali andava
            Que vinha para o ponto de onde viera
            Sem sentido, sem luz, sem esperança
            Sobre o dorso cansado de um cavalo.           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)
       
 
