Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente
            Olhando as coisas através de uma filosofia sensata
            E lendo os clássicos com a afeição que a minha              mocidade não permite.
            Nesse dia Deus talvez tenha entrado definitivamente em meu espírito
            Ou talvez tenha saído definitivamente dele.
            Então todos os meus actos serão encaminhados no sentido              do túmulo
            E todas as ideias autobiográficas da mocidade terão              desaparecido:
            Ficará talvez somente a ideia do testamento bem escrito.
            Serei um velho, não terei mocidade, nem sexo, nem vida
            Só terei uma experiência extraordinária.
            Fecharei minha alma a todos e a tudo
            Passará por mim muito longe o ruído da vida e do mundo
            Só o ruído do coração doente me avisará              de uns restos de vida em mim.
            Nem o cigarro da mocidade restará.
            Será um cigarro forte que satisfará os pulmões              viciados
            E que dará a tudo um ar saturado de velhice.
            Não escreverei mais a lápis
            E só usarei pergaminhos compridos.
            Terei um casaco de alpaca que me fechará os olhos.
            Serei um corpo sem mocidade, inútil, vazio
            Cheio de irritação para com a vida
            Cheio de irritação para comigo mesmo.           
O eterno velho que nada é, nada vale, nada teve
            O velho cujo único valor é ser o cadáver de uma              mocidade criadora.
Vinicius de Moraes (poeta brasileiro)
 
