Guarda-me
adormecida para sempre no teu peito
ou deixa-me voar uma vez mais sobre
esta terra de ninguém onde morro
por qualquer coisa que me fale de ti
há noites assim em que o silêncio
se transforma ao de leve numa lâmina
que minuciosamente rasga o linho
onde ficou esquecido o corpo que habitámos
em provisórias madrugadas felizes
depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta
e eu adormecida para sempre
no teu peito
e eu acorrentada para sempre
no teu peito
e de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas
porque as palavras certas estavam todas
em histórias erradas
que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor
muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão
e eu adormecida para sempre
no teu peito
e eu acorrentada para sempre
no teu peito
Alice Vieira