30.6.09

Não é difícil um homem apaixonar-se.


Não é difícil um homem apaixonar-se.
Ferir a sua paisagem,
cinzas de um passado caído, fluente.
Ao fim de vidas partilhadas pode ser que
diga “estremeci
durante anos sem te abraçar.” Agora é tarde.
Agora é tarde sobre a terra cercada.
Por planícies ficou o desespero,
a dor lilás dos homens soçobrados
na paciência nocturna.
Só depois do terror os cães ladram fielmente
aos portais da manhã, só
após o gume das vidas partilhadas.
“Passei a vida a fugir para a tua boca,” e
confundo já o teu rosto
com um qualquer.


Rui Cóias

Predestinação



Longe no tempo
um homem lançou
no ventre
de uma mulher, uma semente
e eu nasci para ti.

Longo o caminho
Mais tempo que Jacob
servi Labão para cumprir a vida.
Da carne fiz chão pr'a caminhar
da vontade fiz ponte
para o sonho de ti
que trouxe da semente que me fez.

Chegou ao altar a oferenda
os deuses que cumpram a promessa.
Fechem-se todas as chagas
no abraço azul do teu amor.


Ângela Leite

Da inquieta esperança



Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.

Mário Quintana (poeta brasileiro)

29.6.09

Caíram folhas brancas nesta casa


Caíram folhas brancas nesta casa
o soalho de chumbo e gasolina
mais envelhece a perguntar o dia
caíram no soalho bombas rápidas

Ergo nos dedos ossos esmagados
e fica o pó das folhas nas retinas
mais velha faz-se a casa na planície
despenharam-se nela aviões ávidos

A pergunta da noite sobre os mortos
vem das aves caídas e da terra
passou o outono já a guerra é morta

e desloca-se o vento para o norte
a resposta da morte envolve a terra
devolve ao chão as folhas e os ossos


Gastão Cruz

28.6.09

Amor Que Eu Amo Com Amor Sagrado



Pelo sagrado amor que vem de ti, amor que eu amo com amor sagrado;
pelo Ideal descoberto e realizado, - bendita seja a hora em que te vi!

Pelas malditas horas que vivi no desejo de amor tão desejado;
pelas horas benditas ao teu lado, - bendita seja a hora em que nasci!

Pelo triunfo enorme, pelo encanto que me trouxeste,
é que eu bendigo tanto a hora suave que te viu nascer...

Amor do meu amor!

Amor tão forte, que se um dia sentir a tua morte,
será bendita a hora em que eu morrer!


Virgínia Vitorino

Ouro da Juventude



Fugi do ouro dos teus sonhos
e
perdi a juventude.


Maria Alexandre Dáskalos
Angola

27.6.09

Aviso


Não nos venham dizer depois
que não vos avisamos!

Podem brandir o chicote
E arreganhar os dentes
E espumar pela boca

(são serviçais...)

podem metê-los em prisões
cadeias nos pulsos
correntes nos pés

(são serviçais...)

podem humilhá-los
mil vezes massacrá-los
matá-los de mil mortes

(são serviçais...)

mas depois
não nos venham dizer
que não vos avisamos!...


Ovídio Martins
Cabo Verde

Aves Sem Pouso



Percorro
o território do teu corpo
e um ninho, um pouso busca a boca cega
salivando saliências e reentrâncias
que dás e negas, tão cheia de graça,
e és tão cheia de ninhos, só que pairas
em páramos que esboças pelo teto
quando descerro as portas que me trancam
o coração, e o coração já voa
também por outros páramos, por onde
como soltos no espaço nós soltamos
essas aves que em vão buscam um pouso.


Afonso Félix de Sousa
Brasil

Pedra Imortal

(Alma)



As pedras
romperam
o silêncio.

Radioactivo
o movimento
radioactiva-se
de amor.

Hoje
o pó
espargiu-se em ternuras.

Somos alma.

Calane da Silva
A Velhice é um Vento

Palm Serenity II Art Print by Judeen

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento.

Fernando Echevarría (poeta timorense)

Nosso lar da Mafalala



Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé
Meio despedaço de zinco tonto ao cubo
Numa banga de tontonto.

Petiscos sons delirando
Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé
Nossa a lua macua!
Desmascarada com carícias de m'siro
Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé
Por morada
Nossa eterna namorada


Amin Nordine
Moçambique

26.6.09

Sinto que tocamos o horizonte no limiar de um abraço



Sinto que tocamos o horizonte no limiar de um abraço...
Sinto que podia escrever o mar sobre os nossos passos.
Sinto (desde o céu) este aguaceiro que descreve
um poema nos nossos corpos molhados.
Talvez a calçada suba demais para nós e o tempo não espere
pelos nossos dias felizes.
A tua mão agarra com força a minha e não deixa que este plano
escorrogadio me puxe para longe.
Estamos sós.
Estamos juntos. As nossas almas tocam-se no princípio e no fim,
onde começa e nunca mais acaba este amor que nasceu antes
de ti e de mim.
Sinto que tocamos o horizonte no limiar de um abraço,
no sabor de um beijo.
Trazemos os bolsos cheios de vontade de percorrer as ruas virgens
de sonho e de ódio. Somos a praia num dia de Verão - a minha luz
alimenta o teu corpo e o meu mar arrasta a tua areia para os confins
do meu coração, até onde ninguém havia antes chegado, até onde
eu acabo e tu começas - dentro de mim, dentro de nós.
Sinto que estás em todos os cantos do meu corpo.
Sinto-me estremecer no teu calor.
Sinto o nosso amor no meu coração.


Beatriz Reina

na transparência da tardinha


na transparência da tardinha
que
impávidos imbondeiros sombreiam

cantar de galinha do mato
é
eco de um tempo
em
que ilusão e verdade
cirandavam alheias ao mundo

a esperança medrava verde
verde
como rebento de capim de outubro

na transparência da tardinha
que
impávidos imbondeiros sombreiam


Arlindo Barbeitos (poeta angolano)

25.6.09

Esplanada



É o processo da forma seca e pobre
na calma aceitação de mais torpor:
nada que persista ou que demore
mais que o minuto calmo em que descobre
que, se o cenário mudou, a forma
continua.
E não transtorna,
nem ousa (ronceirosa)
mudar a cor da lua
ou por ordem no caos.

Esta é a fábula da lesma preguiçosa
à temperatura de 35 graus.


Fernanda Botelho

Pórtico



Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda

Daniel Faria

Cogito



eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.


Torquato Neto
Brasil

O Haver



Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do quotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distracção, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De reflectir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo quotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.


Vinicius de Moraes
Brasil

24.6.09

Página de Diário



Assim que, aportando, a primavera
trouxe o rastro de rosas e andorinhas
à janela do quarto onde habito
trouxe também a pomba que, nocturna
vigilante velou do parapeito
minha saudade da janela antiga
de um quarto onde dormia, bem-amada
enquanto as pombas lá fora iam ruflando
as asas que abriam a madrugada.


Maria de Lourdes Hortas

23.6.09

A Rua das Rimas



A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,
douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso;
e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em quando,
na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;
e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que mata...);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio...
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calças nuas,
correndo paralelamente, como a sorte diferente de toda gente, para a frente,
para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade, tranqüilidade: RUA DA FELICIDADE...


Guilherme de Almeida
Brasil

Uma Paixão


Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem

antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te


Al Berto


Na cumplicidade dos teus encantos...



na cumplicidade dos teus encantos
barco que navega
no rio dos teus olhos
a palavra,
não tem pressa em chegar
ao poema


Ademir António Bacca
Brasil

22.6.09

Desarrumação



Hoje sei
que nenhum canto se encontra arrumado
e que certos sentimentos são papéis amarrotados fáceis de alisar
outros são pergaminhos inquebráveis que não sei decifrar
atravessados todos eles por sinais contrários que me distraem


Ana Viana

Soneto



Canta. Busca na vida o que é perfeito.
Olha o sol e não queiras outro guia.
Sonha com a noite e absorve, aspira o dia,
Tal uma flor que te florisse ao peito.

Da terra maternal faze o teu leito.
Respira a terra e bebe o luar. Confia.
Faze de cada pena uma alegria
E um bem de cada mal insatisfeito.

Colhe todas as flores do jardim,
Todos os frutos do pomar e enfim
Colhe todos os sonhos do universo.

Procura eternizar cada momento,
Fecha os olhos a todo o sofrimento
E terás feito a carne do teu verso.

Fernanda de Castro

21.6.09

Anel



Dá-me um anel; mas que seja
Como o anel em que cingida
Tem gemido toda a minha vida.
Dá-me um anel; mas de ferro,
Negro, bem negro, da cor
Desta minha acerba dor,
Deste meu negro desterro!

Dá-me um anel; mas de ferro...
Sempre comigo hei-de tê-lo;
Há-de ser o negro elo,
Que me prenda à sepultura.
Quero-o negro...seja o estigma,
que decifre o escuro enigma,
Duma grande desventura.

Dá-me um anel; mas de ferro,
Que resista mais que os ossos
Dum cadáver aos destroços
Do roaz verme do pó.
Entre as cinzas alvacentas,
como espólio das tormentas
Apareça o ferro só.

E o teu nome impresso nele,
Falará dum grande amor,
Nutrido em ânsias de dor,
Pelo fel da sociedade...
Que teu nome nele escrito,
Nesse padrão infinito,
Vá comigo à Eternidade.


Camilo Castelo Branco

Índicos Caminhos



Os caminhos
são teus
na lonjura destes
passos.

As palavras e metáforas
são às vezes minhas
rimadas de íntimos
cansaços.

As flores do Índico
são nossas
pétalas do mar
insubmissas...


Calane da Silva

Pedra perene

(Vida)



Na pedra
finge-se
um silêncio
inquieto.

Aglutinados
somos pó e fantasia
luz e sonhos
palpitando loucuras.

Somos vida.

Calane da Silva
Espaço e frase



Este espaço
em que se vai edificando a Sociedade Nova
não se mede geometricamente aumenta
com o crescimento real da nossa capacidade
como a semente batida pelo sol de Novembro
depois da mínima chuva caída
germina e rompe a necessária fenda
emerge da terra enfim sensível
ergue-se árvore pujante que dá flor
e anuncia os primeiros frutos maduros
devidos a uma tão antiga fome de justiça.
Esta fase
desde a lavra até à sementeira
desde a sementeira até à colheira
é o ansiado tempo de livre respiração dos corpos inteiros;
não para dizer quase
não para dizer mais ou menos
mas para o conjunto de todas as idades
na voz única de milhões proclamar
certeza.

Orlando Mendes,
Produção com que aprendo, 1978

Cinco horas da manhã




São cinco horas da manhã
Para Maria pilando
Debaixo do cajueiro
E o noivo de Maria Colimando a machamba
E pensando no Transval.

São cinco horas da manhã
Para uma velha negra
Abanando o fogareiro
E assando maçaroca
Milho bom! Eh! Milho bom!
Numa voz desnecessária.

São cinco horas da manhã
No bazar de piripiri
Manga, coco e mulala
E tetas nuas vertendo
Leite tão branco e puro
Como o leite secretado
Por outras tetas mais púdicas.

São cinco horas da manhã
Nas cartas por escrever
Dos chibalos sonolentos
E nas mãos que dão à terra
A semente sem passado.

São cinco horas da manhã
No coração confiante
Das mulheres que pariram
E em versos de sangue e nervos
Que latejam o futuro.

Num canto livre e bravio
Das aves da minha terra
São cinco horas da manhã.

Mesmo com nuvens, espessas
Toldando a luz do sol
São cinco horas da manhã.

E até no desespero
De não aceitar o dia
São cinco horas da manhã
Da manhã que irrompe
Com alvorada ou não
Da noite de incubação.

São cinco horas da manhã
Do Rovuma à Ponta do Ouro
São, na coragem que temos
Para sabermos que são.

Orlando Mendes

20.6.09



Nasci
com os meus lubambos*
no pescoço
Ninguém me contou
ainda os sinto.

São eles
que me fazem sofrer
os sofrimentos da erva tenra

sob as botas

velar a insônia das sementes
e cantar as lavras em bandeira

São eles
que me juntam
a quem se aquece na fogueira
e me arrastam
na mesma esteira do povo.

Nasci
com os meus lubambos
no pescoço
Não ando só
e sou sempre novo.



*LUBAMBU – grilhão, correntes.


Arnaldo Santos (poeta angolano)

Estávamos juntos



Estávamos juntos
Mas o meu coração afastava-se em silêncio
Como se esperasse a chegada da neve ou de Deus.


Luís Falcão
Teu Só Sossego aqui Contigo Ausente


Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.
Uma casa sem hera
É como gente sem viver.

Vitorino Nemésio
Povo-força


Intelectuais revolucionários erguei
o punho direito saudando os que são
proletários, com eles sois também a grei
nestas novas trincheiras da libertação.
Todos unidos cresceremos Povo-força
que na História se forja e assume.
Não há quem ferro-frio quebre ou torça
mas os ferreiros moldam-no ao lume.

Orlando Mendes
Produção com que aprendo, 1978

19.6.09

Quadras Soltas




P'ra mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.



O rato mete o focinho
Sem pensar que faz asneira
Depois, ou larga o toucinho,
Ou fica na ratoeira.



Há pessoas muito altas
De nome ilustrado e sério
Porque o oiro tapa as faltas
Da moral e do critério.



Enquanto o homem pensar
Que vale mais que outro homem,
São como os cães a ladrar,
Não deixam comer, nem comem.



Quantas sedas aí vão,
Quantos brancos colarinhos,
São pedacinhos de pão,
Roubados aos pobrezinhos!



Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.


Bernardo de Passos
Encontro



A esta praia cheguei um dia
Na primeira viagem da emigração
E tu negro me espreitavas a medo
De peito nu e azagaia na mão
E olhos de infância antiga
Onde rolaram séculos iguais
Quando ainda não tinhas o segredo
De conhecer o poeta que já eras
Entre diálogos em noites propícias
Com deuses e demónios sem idade
E ventres gerando sem fadiga
A vida que ao futuro se devia
E não deixou ficar notícias
E florestas e feras
Cumprindo ciclos vitais
E o apelo milenário do húmus
Que até mim não veio
Para a teoria dos rumos
E anúncios de tempo novo
Para a história de um povo.

E a teu fado alheio
Na aventura e na saudade
Cantei e reparti então
Da Europa solícitos versos
À terra que descobria
E no meu peito de poeta
Bateram os corações eleitos
Que viram os sonhos desfeitos
E acharam mais fé
E nas minhas veias
Correu o sangue
Dos que verteram nas areias
E morreram de pé
E no meu corpo exangue
Sofri a sede completa
Dos que beberam a água si
Onde andavam dispersos
Corpúsculos de alvorada
E ergueram os braços
Que eram pulsos latejando
E sonharam passos
Parados na agonia
E não morreram quando
A morte apetecia.

Hoje quatrocentos anos depois
Pode a Voz trair-te e trair-me
Na lembrança das angústias originais
Mas havemos de nos encontrar
Vivos e verticais
Na estrada larga
Que abrimos os dois
Eu que vim do Mar europeu
E enraizei meu destino em chão firme
E tu poeta negro que nunca foste ao Mar
E à Mãe-Terra pertences como eu
E à Mãe-Terra pediremos que nos tome
Inteiros para sermos da mesma Raça
E lado a lado cantaremos a mesma alegria
E sofreremos a mesma dor no mesmo luto
E comeremos o pão que engana a mesma fome
E beberemos pela mesma taça
O vinho que embriaga e amarga
E semearemos a semente do mesmo fruto


Orlando Mendes


Convida-me só para jantar


E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
devagar
devagar


Ana Goês

18.6.09

Mormaço



Tarde riscada de formigas voadoras
para uma voraz geometria de bocotas e chivauvaus
assim espessa de mormaço e tremulinas
quase helénica
— se as tardes gregas fossem húmidas
como esta.
Nítidas
três cigarras em uma barbuda figueira brava
perto
febris de malária ou doutro mal lá delas
fretenem metálicas e verrumantes
— enquanto no peito vegetal de encephalartos horridus
entre verdes puas aceradas
um coração de acendido fogo
pulsa e — desmedidamente — cresce.

Quedou-se assim o tempo
tolhendo com as mãos ambas o discorrer do dia
decidido a conservar este xivito
tão de mim e tanta coisa...

Fonseca Amaral
Moçambique

17.6.09

Canto marítimo da ria



De manhã o mar estende-se ao rés do Sol
banhamo-nos para cegar de luz
nadamos através do halo de calor.
Poder sentir a luz a escorrer junto à boca
dá-nos a humildade e a pacificação.
Um sopro mergulha no fluido da luz
de onde talvez brotou ao ser nascido
e é a minha alma que flutua
feita de moléculas de água.
Tudo em esplendor cintila, e imagino
que quando a alma de Heitor o abandonou
foi numa manhã ao rés do mar de Tróia
Tal como o Mediterrâneo este é um mar
parado sem o movimento, que é a onda
e o som, cingido entre os anéis da terra.
Tocou-me a água nos olhos extasiados,
seria esse o baptismo que ungiu
o meu dom das visões reais e irreais.
O mar é uma acha em brasa
que lacera uma das minhas faces,
por isso ofereci ao vento
a outra nas manhãs sombrias.
E dei o meu corpo à superfície lisa
que unia os quatro elementos,
ou seja a terra, o mar, o ar, o fogo
tal como quando os Gregos os pensavam.
Vendo as garças a voarem lentas
sobre os pequenos lagos ígneos
sei que se fossem comburentes
não voltariam ao solo brancas e quedas,
como quando ostentam o colo
entre os juncos das margens similares,
e de súbito intuo que a Natureza
trouxe as garças para os altos juncos
e me levou a mim ao raso mar
onde o meu corpo bóia incandescente
jazendo quando dorme, ou morre, ou nasce.
A minha juventude amou a manhã
sabendo que ambas as idades são iguais,
mas o corpo arde plano na água do fogo
enquanto o Sol se queima entre a terra e o ar,
e somente os filósofos metereologistas
souberam separar os elementos juntos
na Natureza visível e invisível.
Volto a banhar-me na Ria, no silêncio,
no ardor, no sonho, na volúpia
e termino o poema com o mesmo
fogo interior sorvido pela boca
do verso inicial no pleno mar.
Não só nesta praia a saudade de Heitor
me é trazida pelo fulgor do mar
como a de um jovem morto outrora
por Valéry, pelo Sol e por Fauré.
Tantos mil anos-luz da imagem
de Heitor estão depois do seu vulto
quantos do vulto do jovem morto
mais me separa a saudade da imagem.


Fiama Hasse Pais Brandão
Como Eu não Possuo

Inspirations: Hope Art Print by Cielo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fôsse aquêles seios transtornados,
Se fôsse aquêle sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destrôço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'



Saudade



Saudade
De mim, de ti, de nós, dos outros
O tempo revela-se a cada instante
Inseparável da perda, inimigo do esquecimento
Não cura tudo, apenas o que queremos que cure
Passa por nós como se fossemos pequenas gotas de chuva
Acaricia-nos como a brisa de Verão num final de tarde
Dá-nos alento
Desespera-nos
Brinca como uma criança teimosa
Corremos atrás dele como se fosse uma fonte de energia inesgotável
Por vezes ignorámo-lo
Deixámo-lo a rir-se de nós
Com a indiferença de quem não vê, de quem não sente
Ele é omnipresente, tal como ela
A saudade
Eternamente insatisfeita
Perpetuada pelo tempo


Sara Almeida Santos



Lágrima - Velho Tema


Ó lágrima bendita e santa e universal,
Eu te quero cantar, e este meu canto inspire-o
A feição que eu te dei, de intérprete geral
Da dor - de todo ser infalível martírio…

Que processo te faz no minério em cristal,
E na gota que luz no cálice do lírio?
Talvez tenham os dois, uma tortura igual
À tortura que funde em lágrimas o círio.

Seja embora ilusão, hei de sempre mantê-la:
- No côncavo do céu, há lágrimas astrais
E o bólide celeste é a lágrima da estrela!

Malfadadas irmãs! - são lágrimas iguais:
A resina que cobre as árvores fendidas
E a lágrima de dor das íntimas feridas!

Jorge de Lima (poeta brasileiro)

15.6.09

Pequeno Ciclo do Tempo


Para a Maria Lúcia


INTRODUÇÃO AO TEMPO


1

Onde estavas floresce o teu mito.
Aparelhas o rosto, o amplo e severo
gesto da mão apanhando no ar
o objecto incólume, com galhardia,
sem ostentação.
Rodeias-te dos punhais de aço cristalino,
das automáticas granitadas e puras -
um arsenal azul-aço e cobre
corolando fogos-fátuos de gestos
contidos - a esperança do ver e tactear
o radiar do tempo. Vês como é fácil?
Abre o leque aracnídeo dos telhados,
adivinha a digitalidade destas colinas
já ensombradas, decapita esta poalha
cinza e ouro.
Alongaste-te nos indivisíveis mistérios
da rota, pelas baías mansas e coralinas
afagadas de sol e panóplias de cristais,
encobrindo espectros de cimitarra à cinta,
turbantes, esmeraldas e arcas, arcabuzando
a linha do horizonte com seus arremedos
e gritos guturais nas enxárcias.
Vês como é fácil escamotear a onírica verdade?


2

Na senda ondulada do asfalto alguma coisa
te cria, inverte. São os traços convulsos
da morte, a ladainha biológica que sabes.
Cada descoberta que fazes é a antecipação
do dia imediato, garras de aves esgaravatando
o chão de sílica, em espamos, a conspiração
acre e dolorosa de viver. No tempo estás fluído:
a bússola que tens no coração volteja
o teu infinito, é o teu sangue perdido,
quando acaricias o destino em exaltação,
escorrrendo neste rio que goteja na nascente
- a aurora dos sábios - um líquido espesso
e feroz que corrói os tecidos de cardos
roxos, a película que volteja no ar fino
adejando ao ritmo que compassas.
Ergues-te sorridente e cais.


3

Será que este instante te acomoda no tempo?
A desvanecer-se como o tufão que mercuriza
os ilhéus, um trigo lento e milenar em germinação,
a pirâmide que se anguliza.
Somos cúmplices, onde o rosto desponta
e devora e surge a cidade submersa da infância,
há um calor tão denso quanto é estridente,
rumorejante, a tua memória.
Sentes no teu dorso o escaninho que conduzes?
Avalias o que isto cala para a jornada?
Contém gestos e palavras. Alucina-te,
mas silencia. Corrói-te. No invisível despontar
das sombras compassa o futuro, dilacera
lentamente o pão. Alonga as facas
que cristalizam os gestos. É já o momento
chegado. Aguarda ainda, não soltes os cães
da noite, as esponjas envolventes,
nas áleas de choupos que bordejam
os pequenos rios, sê contido até cercares,
interrompe a dor que te sobe no peito,
a crisálida da fúria. Ataca.

Se



se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra

eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto

ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio


daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...


Alice Ruiz
Brasil

Noite


Depois só dei pela manhã, a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.

Albano Martins

14.6.09

Talvez seja melhor ficarmos longe


Talvez seja melhor ficarmos longe,
descobrindo sozinhos os contornos
das coisas impassíveis e sem tempo:
a fachada da igreja que em granito
nunca se deu a homens ou a deuses,
gerada, nós sabemos, de pedreiras
e por mãos que morreram posta ali.
Mas os cedros talvez exijam menos,
os cedros que se elevam sobre a igreja:
contemplo-os para lá dos vidros, cedros
sem mais inquietações e sem perguntas
de quem se não contenta só consigo.
Porque ser-se sensato é ver as flores
irem a cor largando até os sonhos
se tornarem o fumo esmaecido
das nossas vidas, glória que foi lume
e que não mais lembramos, afastando
a tentação do tempo, a tentação
de sermos novamente anjos febris
à procura da fé no amor dos corpos
que nos tornava seres inscientes,
rodeados de coisas a nós alheias
e apenas nos servindo de cenário
a gestos que se gastam a si próprios.
E então ficam as flores a esvair-se
e cada um com seus rostos amados
perdidos na memória e com o peso
de enganos já vividos que o presente
não esquece e carrega em nossos ombros.
Alheemo-nos. Nada queiramos.
Digamos com o mestre que os poemas
foram cartas ridículas de amor,
e hoje um extemporâneo e vão delírio.
Nenhum outro destino nos convoca
se afinal o que sobra são poemas.
Quedemo-nos assim. Vês no horizonte
lívido o céu deserto que se assoma?
Não o temes, bem sei: mas concilia-te?
E as flores que se tornam mais presentes
na sua impossível duração,
vais como sempre amá-las? Ou será
uma graça que os anos levarão,
e a sua natureza, o teu desgosto? -
pergunto sem que espere uma resposta
porque sei o que digas não me acode.
Oxalá envelheças com doçura
e possas a teu modo ser feliz.


Nuno Dempster

Abril




Houve um tempo em que Abril foi madrugada
e rimou com o teu rosto,
mas agora é sol-posto
e não se vê mais nada
com que rime senão a funda decepção
de uma promessa adiada.

Houve um tempo em que Abril foi a gaivota
azul do teu olhar,
mas perdeu-se da rota
e deixou de voar.

Não nos cabe, porém, desanimar:
Abril acaba sempre por voltar.


Torquato da Luz

(Des)Entendimento



Para quê
entender
as mulheres
se podemos
viver com elas
sem as entender?
Calma
coração de psicólogo
a vida na verdade
nem sempre
necessita de análise,
é só seguir
os sentimentos.

Domi Chirongo

13.6.09

Armário de Especiarias e Ervas Aromáticas



Cerofólio, manjerona
malagueta, benjoim
noz moscada, cardomomo
salsa, sândalo, alecrim

erva doce, piripiri
cravinho, canela em pau
gengibre, menta, tomilho
pimpinela, colorau

zimbro, funcho, açafrão
oregãos, coentros, caril
azedas, louro, estragão


Jorge de Sousa Braga
in O Poeta Nu

Se um dia secarem as palavras


Se um dia secarem as palavras
do rio que só nós soubemos navegar
se acordarmos sós e despidos
das quimeras que já não podemos segurar
restará ainda a velha ponte
hirta e fria, abandonada,
sobre um leito desfeito, vazio,
e alguns versos soltos pelas margens
como as folhas de outono

de nós nada mais se ouvirá


Isabel Solano

11.6.09

Desejos vãos


Eu q’ria ser o Mar d’altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu q’ria ser a pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu q’ria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...


Florbela Espanca





Cerejas



cerejas são luas ao poente
escondidas por entre sobreiros
vaidosos e antigos da andaluzia

as tardes de junho aproximam
as mãos e os frutos
delicados vermelhos e redondos
os teus lábios beijam cerejas
bebem-lhes o mel
e repudiam-lhes o centro

morre o amor
em cada árvore desgastada
pelo vento quente
os teus dedos enlaçados em mim
recordam beijos perdidos na planície.

partimos no alvoroço das primeiras estrelas
sinais de luz que o mundo
num instante moribundo
uivou

sou de roma português de andaluzia
santo-anjo retratado em frescos de capela
aragem quente estremenha
com algas rumores e maresia

estou deitado meu amor
não vês?
no meu corpo cerejas raras nascem
esperando as tuas mãos
os teus lábios entendidos
em frutos mágicos
no silêncio das encumeadas


Henrique Levy