11.1.11

A noite progride puxada à sirga



«A noite progride puxada à sirga»
a sombra ao alastrar
nem por isso amansou
adolescência
é verdade
irritaste-me
até dizer basta
encenaste demais
assustaste de menos
mas a linha cruzando
nas artérias
aparava derrames
nas astúcias
às avessas da pele
operavas a meio
da comunicação,
entre patetas
discorrias dislates
menino Caravaggio
com a mão no pescoço
antevisão d’ataque,
o lobo derrotou-te
demais o provocaste,
a fala sem parança
a pressa
cortar a direito
na cadeirinha transportado,
criados aos varais
gritando que se afastem
para que chegue cedo
à gravação directa,
na dor ao domicílio
tinhas certa grandeza
idólatra, sentimental, português.
Agora que te foste
reconheço:
razão tinhas em expor-te
a pressa que levavas
em agarrar o pai
já muito adiantado
dava-te pouca trégua
mas tenho que dizer-te:
apesar dos colóquios,
da parva constrição
em volta do Pessoa,
sôfrega mania
sentado de cachecol
ao lado de imbecis
eras, poeta,
profeta do amor
que sempre interpelaste
capaz de manter
debaixo do teu mar
a leva das cabeças
imunes à ternura
ao lírico desmando
de amar perdidamente
a sombra de ti próprio
nos pobres mais devassos
nos olhos mais traidores
florbela te vinhas
tão cego lusitano
lá conduzisse a nau
à seda dos engates
os bairros, as calçadas
à esquina dos jardins
derramaste a mirra
nos príncipes reais
e vais-te de repente
e nós de boca aberta
sobre esta papelada
«porque onde termina o corpo
deve começar outra coisa, outro corpo».


Fátima Maldonado