12.1.11

Frémito



Ah, suprema delícia
a tua boca sobre o meu peito,
à ombra desta madrugada
que de luz esplende e irradia!

Como crer na aridez do mundo
se a terra se adornou
com o cintilante aroma de teu corpo,
se tudo é oferenda de primavera em teu regaço,
aragem doirada de perpétuo estio;

se o próprio ar ao respirar-te
se fez verde horizonte de fragrâncias,
ganhando um ritmo
de clara dança e harmonia?

Nenhum vento de secura me perturba.
De teus gestos brotam fontes,
água bebo de tua cintura plena
- ó manancial perfeito!-
e aspiro a frescura de tua pele
com a minha a cada instante confundida.

Quando ao amanhecer
se enchem os céus de um clamor de aves peregrinas
de que pura claridade és promessa?

Que brancura se derrama de cada nuvem
imitando a tua nudez a mim aberta?

Por que voam longe de ti os anjos
se a luz perfeita só no teu rosto existe?

Por que o roçar de suas asas não te visita?

Ah, se eu pudesse ao beijar teus lábios
alcançar de vez a tua alma
e negar esta solidão que me chora ainda!

Morro para mim porque te vivo
e nessa vida mais alta e incessante sei que
ao despertar em ti já não existo-
sou apenas o frémito feliz de uma folhagem,
a linha da tua irradiante fronte,
o límpido regato que humildemente te reflecte.


Gonçalo Salvado