A bandeira chamava pátria àquelas terras,
havia picadas vermelhas, verdes mangais,
macacos que saltavam das árvores
e a dor castanha dos imbondeiros.
A mosca sêca, uma ilha amarela,
pretas, savanas, missangas
e a sombra exígua de um palmar.
Sons de ferros quebrados,
o toque batuque no tambor do coiro,
e, sabendo a sal, a morabeza,
uma crioula de lábios quentes.
Sempre o ritmo dolente
das ondas que murmuram
e um claro sol decifrando
a longa sombra da terra
no crepúsculo sem fim.
O navio, riscando a planura das águas,
seu fumo divaga na distância,
enquanto rapinas negras nos recordam
das minas traiçoeiras, das emboscadas,
no corá de Mamadu, na gente calada.
Mas foi no emaranhado de Lisboa
que, um dia, naufragámos por acaso,
sem que ninguém salvasse nossa palavra.
Armados de cimento, logo ficámos
com as mãos cheias de nada
e as ruas pejadas de retornados.
Mas, nesta cidade que foi partida,
ainda há vibrações de pátria por fazer,
derrotas, saudade, trovas, revolta,
Pessoa passeando em sua aldeia,
mestre Agostinho e o poder dos sem poder,
num império mais santo, o do espírito,
onde, eleitos, serão apenas os meninos.
Há barcos que largam mar dentro
e sítios africanos que persistem,
o mar da Guiné, cinzento e denso,
uma candeia no cais, a dar-nos luz,
imensas coisas do passado:
cordas, amarras, lágrimas, guitarras,
pátria palavra, crescendo num abraço.
José Adelino Maltez