Sem direcção, sem caminho 
escrevo esta página que não tem alma dentro. 
Se conseguir chegar à substância de um muro 
acenderei a lâmpada de pedra na montanha. 
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios 
ou enuncio as simples reiterações da terra, 
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos. 
Tentarei construir a consistência num adágio 
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes. 
E na substância entra a mão, o balbucio branco 
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas, 
um organismo verde aberto sobre o mar, 
as teclas do verão, as indústrias da água. 
Eu sou agora o que a linguagem mostra 
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes 
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos 
com arcos, colinas e com árvores. 
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes. 
O impronunciável é o horizonte do que é dito. 
António Ramos Rosa

 
