
Como a flor cortada rente e desfolhada  
ou os olhos vazados da criança  
e o seu fio de pranto ténue e impotente  
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem 
até que se atinge o ponto da mudez  
a pesada mó triturando a sílaba  
a garganta com as cordas dilaceradas  
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida 
  
Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro  
tanto assim que a flor desfeita  
não embala o coração do poeta  
oh não 
porque a flor defunta  
se voa 
não sobe nunca 
e só dura 
o espaço breve duma nota 
Assim o canto se detém imóvel  
como se da flauta  
falhando súbito  
na boca do poeta  
ficasse o hiato  
ou a saliva 
de um tempo devassado por insectos cor de cinza 
A voz suspensa e negada 
cede a vez à letra amorfa 
inscrita no silêncio 
com seu peso 
de chumbo e olvido 
acaba o poema 
e um ponto final selando tudo. 
Arménio Vieira (poeta caboverdiano)
 
