Branca mulher de olhos claros
           De olhar branco e luminoso
           Que tinhas luz nas pupilas
           E luz nos cabelos louros
           Onde levou-te o destino
           Que te afastou para longe
           Da minha vista sem vida
           Da minha vida sem vista?           
Andavas sempre sozinha
           Sem cão, sem homem, sem Deus
           Eu te seguia sozinho
           Sem cão, sem mulher, sem Deus
           Eras a imagem de um sonho
           A imagem de um sonho eu era
           Ambos levando a tristeza
           Dos que andam em busca do sonho.           
Ias sempre, sempre andando
           E eu ia sempre seguindo
           Pisando na tua sombra
           Vendo-a às vezes se afastar
           Nem sabias quem eu era
           Não te assustavam meus passos
           Tu sempre andando na frente
           Eu sempre atrás caminhando.           
Toda a noite em minha casa
           Passavas na caminhada
           Eu te esperava e seguia
           Na proteção do meu passo
           E após o curto caminho
           Da praia de ponta a ponta
           Entravas na tua casa
           E eu ia, na caminhada.           
Eu te amei, mulher serena
           Amei teu vulto distante
           Amei teu passo elegante
           E a tua beleza clara
           Na noite que sempre vinha
           Mas sempre custava tanto
           Eu via a hora suprema
           Das horas da minha vida.           
Eu te seguia e sonhava
           Sonhava que te seguia
           Esperava ansioso o instante
           De defender-te de alguém           
E então meu passo mais forte
           Dizia: quero falar-te
           E o teu, mais brando, dizia:
           Se queres destruir... vem.           
Eu ficava. E te seguia
           Pelo deserto da praia
           Até avistar a casa
           Pequena e branca da esquina.
           Entravas. Por um momento           
Esperavas que eu passasse
           Para o olhar de boa-noite
           E o olhar de até-amanhã.           
Uma noite... não passaste.
           Esperei-te ansioso, inquieto
           Mas não vieste. Por quê?           
Foste embora? Procuraste
           O amor de algum outro passo
           Que em vez de seguir-te sempre
           Andasse sempre ao teu lado?           
Eu ando agora sozinho
           Na praia longa e deserta
           Eu ando agora sozinho
           Por que fugiste? Por quê?
           Ao meu passo solitário
           Triste e incerto como nunca
           Só responde a voz das ondas
           Que se esfacelam na areia.           
Branca mulher de olhos claros
           Minha alma ainda te deseja
           Traze ao meu passo cansado
           A alegria do teu passo
           Onde levou-te o destino
           Que te afastou para longe
           Da minha vista sem vida
           Da minha vida sem vista?           
           
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)
       

 
