Na minha frente, no cinema escuro e silencioso
            Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas
            Narrando a beleza suave de um drama de amor.
            Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso
            Ouço vozes surdas, viciadas
            Vivendo a miséria de uma comédia de carne.
            Cada beijo longo e casto do drama
            Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual da comédia
            Minha alma recolhe a carícia de um
            E a minha carne a brutalidade do outro.
            Eu me angustio.
            Desespera-me não me perder da comédia ridícula              e falsa
            Para me integrar definitivamente no drama.
            Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às palavras implorantes
            Que ambos se trocam na agitação do sexo.
            Tento fugir para a imagem pura e melodiosa
            Mas ouço terrivelmente tudo
            Sem poder tapar os ouvidos.
            Num impulso fujo, vou para longe do casal impudico
            Para somente poder ver a imagem.
            Mas é tarde. Olho o drama sem mais penetrar-lhe a beleza
            Minha imaginação cria o fim da comédia que é              sempre o mesmo fim
            E me penetra a alma uma tristeza infinita
            Como se para mim tudo tivesse morrido.           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)
       
 
