Como confessar: estas esperas metem-me medo.
É como se o tempo estivesse parado
temendo progredir nas margens
do meu silêncio
em segredo.
E reparo:
caído nas calçadas do arquipélago
dominado
o pássaro quer rebater as asas imobilizadas
e saltar os muros as sebes os telhados
da cidade
apontando o bico em direcção aos céus
aos cérebros
(deixando derramar cá por baixo
bocas abertas de espanto
no exacto espaço
da liberdade).
Do que se sabe:
é sempre o mesmo incidente.
Os barcos estão presos a âncoras
e não há brisa
alguma
nem ventos livres soprando
onde seja possível navegar.
As gaivotas desfizeram os ninhos
esqueceram os mapas as bússolas
a algazarra das manhãs no calhau
e partiram em busca de outras sinas
cumprindo a ambição que sonharam
desde pequeninas.
Como dizer: faz-se tarde
nos caminhos escuros do futuro
e se o mar é o cerco a prisão
que da ilha brota
e se os dedos nos crispam
de ausências cúmplices
magoados por turbilhões de raiva
fechando-se no peito
e se a água nos afoga no isolamento
do seu sal
é chegada a hora de nos deixarem amar
as distâncias
levando o sabor da terra e da lenha queimada
nos lábios
como se os incêndios vorazes das serras
obrigassem à libertação das cinzas
dos seus degredos.
Como confessar: por dentro da ilha
as esperas metem-me medo.
Venham mais barcos e aviões
para encher os cais e aeroportos.
Programem as viagens, abram alas ao sonho
de partir. Chamem mais passageiros.
Eis que está denunciado o segredo.
José António Gonçalves