17.2.11

O homem canta


O homem canta
ouvi os meus lamentos
que são segmentos
de recta no espaço.
ouvi as minhas dores
que são flores
trazidas no regaço.
ouvi os meus queixumes
gumes
de rígido aço.
ouvi-as se quiserdes
e puderdes.
ouvi-as e entendei-as.
não são bonitas nem feias,
são sinceras.
a sua idade mede-se pela das eras
surgiram com o primeiro dia.
a luz que as alumia
é só a do tempo no infinito.

as minhas dores, às vezes
transformam-se em grito.
e então a terra treme
e freme
como o dorso do animal que se acaricia.
e é um dia diferente o novo dia
e é um mundo diferente o que então brota.
como a lava do vulcão que queima
- e purifica –
as minhas dores mordem as raízes
e a terra fica mais rica.

mas não morrem – ó infelizes –
não morrem as minhas dores.
eu as reconheço às minhas flores,
outras novas flores as minhas dores…
a sua idade mede-se pela das eras,
a luz que as alumia
é só a do tempo no infinito.
diferentes do velho para o novo dia,
dores flores, dores grito,
ondas no dique quebrando…
minhas dores, ó minhas dores,
até quando?...


Antero Abreu
Angola