
Voz Clamante
no deserto no mar na cidade na guerra no peito
Tu andas a escrever-me Tu respiras-me tanto
e lês-me coisas que não escrevi Tu cuidas-me das feridas
Tu deves ser mulher: vais por onde não há ida apenas noite
e chegas em segredo à porta aberta
voltas sempre por outro caminho mais íntimo
e alteras o lugar e a coisa e o sentido
vens de onde não foste
e trazes o pólen das flores que ainda são por haver
Voz Clamante
Tu deves ser mulher Só a madeira da carne mulher
é a madeira capaz de ir e vir pelos corpos quebrados
pelo vento crispante da ante-manhã da dor
pelo tempo bárbaro de cristais a espigar
sobre o amarelo infante do Mar sem sono
o que eleva as copas da Hora Só a madeira
da carne mulher é a madeira qualitativa
portadora do vértice festivo o vértice oriental
do dia: o chá de canela e mel que pirateia pelos mares do sul
descobrindo fontes no coração dos náufragos
Paulo Renato Cardoso