Não direi nada
nunca fiz nada contra a vossa pátria
mas vós apunhalastes a nossa
nunca conspirei nunca falei com amigos
nem com as estrelas nem com os deuses
nunca sonhei
durmo como pedra lançada ao poço
e sou estúpido como as carnificinas vingativas
nunca pensei estou inocente
não direi nada
não sei nada
mesmo que me espanquem
não direi nada
mesmo que me ofereçam riquezas
não diréi nada
mesmo que a palmatória me esborrache os dedos
não direi nada
mesmo que me ofereçam a liberdade
não direi nada
mesmo que me apertem a mão
não direi nada
mesmo que me ameacem de morte
Ah!
a morte
Morreu alguém no meu lar
No meu lar havia uma filhinha
estrela brilhante no céu da minha pobreza
ela morreu
Vejo a grinalda branca da sua inocência
arrastada nas águas sobre o seu corpo
Ofélia negra neste rio podre da escravatura.
Agostinho Neto (Angola)