Ao Nuno Lacerda Lopes
O que quer dizer
«toco na ponta dos meus dedos»?
O que são os meus dedos senão eu?
O que sou eu no essencial?
O leitor está sempre no futuro
da mão que escreve
mas está sempre no passado
do poema que lê.
Habituei-me a olhar algumas palavras com serenidade.
É com elas que peço café
chamo as roupas que me vestem
meto-me no carro e chego até aqui
onde a minha mão se perturba com o odor de cada palavra
com a marca invisível que deposita nos dedos.
Sinto-os inquietos
dizem-me que a palavra canta
às vezes tão alto que a urze cresce
muito depois de chegar ao fim da memória
onde o terreno é fértil para que tudo seja esquecido
e nasçam então os únicos ouvidos
e o verdadeiro aroma do café.
Às vezes imploro à palavra que se torne transparente
e a mão olha-me
afagando as sílabas
como se pudesse saber a perturbação ínsone
que a própria plenitude desenha,
ou as tempestades de areia que vão ter connosco ao sono
e nos arrastam como simples folhas
a quem o outono facilita o trabalho do vento.
Não fosse assim
não estivéssemos tão perturbados
pelo orvalho que se escreve com a humidade das letras
na própria ignorância da mão
e talvez o poema fosse um exercício de estilo.
Rosa Alice Branco