4.3.11

Três meditações junto ao mar




Para lá das vidraças as dunas,
e logo a noite fria e o mar sem horizonte,
a praia sem amantes.
Há quanto não se vêem deuses por aqui,
há quanto não os vejo eu?
Bastavam umas asas frementes
ou as marcas na areia do amor,
um rasto de cicios;
não me empolgam as vagas
nem o que imaginado
me trazem outras vozes;
empolga-me a lembrança dos deuses
que de noite habitam os areais
e unem o seu arfar ao arfar das ondas
sem outro nexo que esse,
apenas as estrelas rutilantes, as águas
e as janelas em terra
que fitam em silêncio o mar nocturno.

*

Deserta a praia, as dunas, os cardos,
o mar sem metafísica,
um barco que não leva ninguém,
talvez homens que suam e praguejam;
a manhã cinzenta é de hoje,
não da sonhada génese,
e a voz das ondas é a voz das ondas
e cresce com o som do vento.
No areal não se encontram marcas
ou ecos de palavras desconexas.
Do amor esvaneceu-se o rasto.
Só um deus e uma deusa dormem
na lembrança dos dias breves
sem que ninguém os possa despertar.

*

Talvez a eternidade seja ficar nas dunas
largando as lembranças a pouco e pouco,
e os nomes da infância e do amor
irem acabando até que convocá-los
se torne no céu branco que absortos olhos fitam.


Nuno Dempster