Pombas radioactivas
soltam-se-me das mãos
quando chega o pôr-de-sol
e partem disciplinadamente
varejando o horizonte
que as leva em direcção
às rocas da paz.
Vede a disponibilidade delas
mesmo sabendo tão longa
a escalada do galho onde mora
do outro lado da noite.
Hão-de compreender de certo
quanto mais altos o andaime
para o ensaio da queda
a falésia do cárcere
mais puro renascerei
contra todos os vaticínios
pois reservado fora-me
o destino daqueles
que na dor se desplumam
em lamelas de cinza
como folhas anémicas
dum cipreste qualquer.
Caí vassalo do medo
em território de algozes
sitiado por veraneantes
tubarões sem pergaminhos
a tecerem contas de piolhos
de cócoras sob os autoclismos.
Aprendi a solfejar
com o queixume dos búzios
onde retine a mensagem
dos náufragos da injustiça.
Venho de um continente
de transmigrados de calamidade
em calamidade
com meninos que morrem
desapercebidamente
no dorso das suas mães
a caminho dos centros
de emergência da cruz vermelha.
E quando de modo abusivo
me detive junto das bordas
da indenunciável imagem
dos teus disfarces reflectida
no mármore em que oficias
morri no espelho de um mago!
Julius Kazembe
Moçambique
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