24.1.09

Desejo


Os meus dedos abertos
são dez velas desfraldadas
ao sopro sertanejo
do teu pensamento
em mares do meu desejo.

O meu corpo feito de água
é um barco sem quilha
e sem arrais
em noites sem estrelas
nem madrugadas
singrando no teu sexo
em loucos orgasmos
de mágoa
e maravilha.

Pára o vento
Não há velas.
E num doce movimento
muito lento
desconexo,
ao sabor dos vendavais
parados,
vejo subir o mar
nas minhas coxas
vestidas de algas roxas
na nudez do teu olhar
vencido no mesmo pejo
feito de noite, de pasmos
e de luar.

Os meus braços são em cadeia
as minhas pernas tentáculos
no mar que me rodeia
escuro e ausente
viscoso
molhado de cio.
A água penetra tabernáculos
ocultos
do meu corpo abandonado
pegajoso
e frio.
E há logros e insultos
e preces a Deus-nenhum
no meu singrar de sereia
que em si mesma se consente
e destrói constantemente
para renascer igual
sempre diferente
num doce movimento
muito lento
e sensual
dos meus dedos abertos
desfraldados
ao sopro violento
dos teus pensamentos
desertos
em mares inviolados
sem gente
e nenhuma ilha,
no meu corpo de água
em doces orgasmos
de mágoa
e maravilha.

E vem o vento.
E eu não sou nada.
Partem-se os mastros,
rasgam-se as velas,
e numa longa noite sem astros
sem estrelas
eu sou joguete de mim
nos teus dedos absurdos
em grutas do meu prazer,
na sede da tua boca
desvendando-me assim
poro a poro da minha pele,
passo a passo na minha carne
vestida de suor, de fel
e de cansaço,
de gemidos surdos
e agonia louca,
na imensa libertação
do próprio espaço
contida nesse grito
de prazer infinito
do teu mar a penetrar-me
e eu a afogar-me
nele!

Os meus dedos dobram-se em dois,
a minha quilha desaparece,
nao tenho arrais, não tenho vento,
não tenho estrelas nem luar
não tenho sequer o mar
não tenho nada
nada ficou.

Depois,
só o silêncio e esse frio,
a deusa-nada que eu sou.

O meu corpo submerso
fremente e já vazio
a ir ao fundo no teu
muito doce, muito lento,
na viagem começada.

E as linhas de cada verso
num poema que acontece
a sabor do vento
em carne desfraldada,
na nossa ilha encontrada
nesse mar que em mim é,
me foi e já me esquece
no vai e vem da maré...


Maria do Carmo Abecassis
Moçambique