A rosada manhã serena desce
Sobre as asas do Zéfiro orvalhadas;
Um cristalino aljôfar resplandece
Pelas serras de flores marchetadas;
Fugindo as lentas sombras dissipadas
Vão em sutil vapor, que se converte
Em transparentes nuvens prateadas.
Saúdam com sonora melodia
As doces aves na frondosa selva
O astro que benéfico alumia
Dos altos montes a florida relva;
Uma a cantiga exprime modulada
Com suave gorjeio, outra responde
Cos brandos silvos da garganta inflada,
Como os raios, partindo do horizonte,
Ferem, brilhando com diversas cores,
As claras águas de serena fonte.
Salve, benigna luz, que os resplandores,
Qual perene corrente cristalina,
Que de viçoso prado anima as flores,
Difundes da celeste azul campina,
Vivificando a lassa natureza,
Que no seio da noite tenebrosa
O moribundo sonho tinha presa.
Como alegre desperta e radiosa!
De encantos mil ornada se levanta,
Qual do festivo leito a nova esposa!
A mesma anosa, carcomida planta
Co matutino orvalho reverdece.
A úmida cabeça ergue viçosa
A flor, que rociada resplandece,
E risonha, perfumes vaporando,
Embalsamando vai o ar sereno.
De mil insetos um volátil bando
Errando gira pelo prado ameno,
E com brando sussurro de alegria
O astro louva do nascente dia;
Um, verdejante, voa, e reverbera
Da esmeralda o reflexo cintilante;
Em outro brilha da estrelada esfera
A bela côr azul: outro douradas
Mostra as ligeiras asas delicadas.
A formosa plumagem sacudindo,
O soberbo pavão, do bosque espesso,
Respirando alegria, vem saindo;
Da luz os novos raios vai buscando,
Do íris representa as várias cores,
Da longa cauda, um círculo formando:
Volta a cabeça de um e de outro lado,
Por ver brilhar os trêmulos reflexos,
Que nas penas lhe acende o sol dourado.
Resplandecente Aurora, mãe do dia,
Que vens, de frescas rosas coroada,
Encher o vasto mundo de alegria!
Sol luminoso, que raiando brilhas,
Às leis do Criador obediente,
Vens fecundar da terra as maravilhas,
Obras da sábia mão onipotente.
Sombra triste do sono tenebroso,
Dos olhos dos mortais foge ligeira,
Deixa que o esplendor maravilhoso
Possam vir contemplar da luz primeira,
E que à vista dos raios matutinos,
Que uma cena descobrem de portentos.
De prazer cheios, mil sagrados hinos
Mandem nas asas dos ligeiros ventos,
Porque soem por toda a redondeza
Os louvores do Autor da natureza.
Domingos dos Reis Quita
(sec XVIII)
(sec XVIII)