17.5.11

A alienação e as horas


A alienação e as horas
por aqui andamos como folhas secas
não sabemos bem se vivos ou se mortos
por aqui andamos
cumprindo o fado que não entendemos
uma vida que não é nossa
como um fato que pomos sobre o corpo nu
por aqui andamos submissos
subindo e descendo a rua
nós ou outros não importa
é como se fôssemos outros
tão longe que estamos de nós
indo para as repartições
vindos das máquinas de escrever
dos papéis dos tornos ou das enxós
por aqui andamos
regressando por vezes
com a consciência do dever cumprido
o dever cumprido
ópio que se inventou para
nos escondermos desta torpe existência
por aqui andamos
ai horas de desespero que são tão lúcidas
em que vemos que o que estamos é atrás do espelho
por aqui andamos como jornais velhos
que virão percorrendo as ruas
e acabam nas sarjetas
ou dão novos jornais
que farão a mesma coisa
por aqui andamos
por aqui andamos
que triste ser poeta ou lá o que se é
sejamos prosaicos ao diabo tudo isto
dá vontade de lançar uma
bomba de s. João
e pensar que se mandou o mundo aos ares
dá vontade de ir descobrir o Brasil
como se não estivesse descoberto há
quatrocentos e tal anos
é certo que há uma esperança
sabe-se que isto não será sempre assim
felizmente que não será sempre assim
felizmente que isto não será sempre assim
mas por aqui andamos
por ora aqui estamos
vestidos de
fantasmas entre fantasmas a fingir de gente…


Antero Abreu
Angola