Meu artesanato é de gaivotas
no mar e no céu,
duro ofício de asas e vento.
Levanto-me de madrugada e começo o corropio
na oficina, o desacato de luz inicial:
nuvens, sal, tintas,
tudo num enorme desalinho.
Esmero-me no trabalho das mãos.
Conjugar sargaço e música – eis o desafio.
Aparelho-me de paciência e barro,
lixo, minhocas, peixe miúdo.
Amaino-me de fúrias, alturas excessivas.
A ciência do voo é a mais difícil. E exige arte.
Às vezes, a ensaiar, despenha-se uma gaivota.
E lá se parte o lume. São mil cacos,
mil estrelas vivas pelo chão.
Penso então mudar de ofício.
Dedicar-me aos pássaros de gaiola.
Ou a outro ramo, sem os segredos do vento,
de um simples saber exacto.
Mas quando vejo as gaivotas no mar e no céu
é um tão grande contentamento
que volto sempre ao meu velho artesanato.
José Carlos de Vasconcelos