9.11.08

Rimance da menina da roça


A menina da roça
está no terreiro
cosendo a toalhinha
pró seu enxoval...
- “ Que céu tão lindo!,
e o encanto da mata!...
Ai, tanta beleza
no cafezal...”


A menina da roça terá poesia
terá poesia nos olhos de mel?


A menina da roça
chega à janela
e na estrada branca
a vista alonga...
- “É o carro a vir?”
Não... é o bater compassado
do aço de enxadas
dos negros na tonga...


A menina da roça tem é um namoro
tem um namoro com um motorista


A menina da roça
veio à varanda
e os olhos erra
no verde à toa
- “Está ele a chegar?!”
Ah... são negros pilando
dendém para azeite
na grande canoa


(Prucutum, lá do telheiro,
vai chamar o meu amor)


A menina da roça
acorda à noite
ouviu um barulho
na escuridão
- “O carro chegou!...”
Oh... é o pulsar
apressado
do seu coração


(Por que bates tão depressa, coração alucinado?
Coração alucinado, espera que o dia amanheça)


- “Já viu a minina?...”
“Hem... tem cor marela
do mburututu...”
- “E não come nem nada...”
- “E os olhos de mel
tão-se afundar
num lago azul
que faz sonhar...”
Conversam as negras
à boca apertada


(minha dor, ninguém a saiba –
não há peito em que ela caiba)


A menina da roça
escuta dorida
a triste canção
que vem do rio
Que vem do rio? – Que vem do peito:
baixinho, lá dentro,
chora de amor
o coração.


Menina da roça – águas do rio
saudades da fonte... desejos de amar.


Viriato da Cruz (poeta angolano)