Olho o côncavo azul do firmamento
é tarde
um sobretudo agita-se para os lados de alcântara
Felizes os que morreram canta um sino
e com certo compasso certa razão se se pensa
na quantidade de espaço ocupado
pelos que sopram coisas há séculos debaixo de terra
os que vêm aqui fazer eternidade grandes ovas do espírito
e não levam para lá coisa nenhuma
nem um pequeno vaso uma estatueta de bolso
um balão de criança que é tão leve
nada
porque o lá não existe lá, nós que carreguemos
as mil missas em ré do bicho-de-conta
as quinhentas pinturas do mão já nenhuma
o bilião de palavras do caveira três
e mais os planetas desertos, que também mandam coisas
Felizes os que morreram realmente ó sino
mas mais felizes ainda os que mataram
mais felizes os que ergueram à altura simples do corpo punhal
fundente
as molas sete e oito da grande máquina
e a quebraram nos ossos do espectáculo
porque ele é a usura
da noite de cavalos submergidos no lago
a estrada contra-curva
onde Harcamone passa a caminho do teatro
a uma mesa de mortos galvanizados
Porque a poesia não é para galvanizar isso
a poesia a poesia
o recôncavo azul do firmamento
que é negro
e outras coisas mais
se ainda é tempo de ver por cima do prato
os vigia os paloma os clandestinos os lâmpara
os invisíveis anjos guardadores
do trabalho que não pode ser adiado
e não esta linguagem de lamento esta linha de rogo que frustra a voz
não este verso exposto a mil vagares na almofada branca de uma página
mil vezes decapitada na praça pública
em oitavas e quartas paralelas e sétimas dominantes cheias de horror
e ainda assim contentes
de bailarem em torno do seu próprio círculo
mas o que na manhã só uma vez quase ouvimos
um para o outro
um dentro do outro
mais interiores à magnificência da espécie
do que aos espaçosos e nobres labirintos do canto
Mário Cesariny