a gordura submerge os ossos – e o poema.
a anorexia (a que alguns chamam
“elegância” ou “concisão”)
impede os movimentos de um corpo
que precisa de músculos para subir até à boca
do vento ou do inferno – lugares
sem espaço nem semáforos
na circulação da alma.
é preciso que as glândulas funcionem
apenas o necessário. o excesso e o defeito
perturbam o equilíbrio do organismo –
o trânsito, nos intestinos, rejeita
uma vida sedentária. fibras
bífidus e muita águas
em aromas, da nascente, auxiliam a digestão
de um mundo com pés mergulhados
em óleo de fritura, comendo carne
e tubérculos sem qualquer capacidade
de dissolução na corrente que alimenta
os vasos sanguíneos.
submersos os ossos, entupidas as veias – o colesterol
do poema impede a circulação do
sangue nas palavras (água salgada
a irrigar as estruturas do cérebro) –
pode bater o coração. pode bater.
sem a agilidade e o dinamismo das estruturas
e do pensamento, nada nem ninguém
conseguirá contudo evitar a síncope
das válvulas do sentido.
ou, pelo menos, o inchaço
dos membros inferiores
à espera da amputação
pela gangrena.
Ruy Ventura