11.4.10

Canto e lamentação na cidade ocupada


4.

Não basta estender as mãos vazias para o corpo mutilado, acariciarlhe
os cabelos e dizer: Bom dia, meu Amor. Parto amanhã.

Não basta depor nos lábios inventados a frescura de um beijo doce e
leve e dizer: Fecharam-nos as portas. Mas espera.

Não basta amar a superfície cómoda, ritual, exacta nos contornos a
que a mão se afeiçoa e dizer: A morte é o caminho.

Não basta olhar a Amante como um crime ou uma injúria e apesar
disso murmurar: Somos dois e exigimos.

Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar: Procuro o esquecimento.

Não basta escutar, no silêncio da noite, a estranha voz distante, entre
ruídos de música e interferências aladas.

Não basta ser feliz.

Não basta a Primavera.

Não basta a solidão.


Daniel Filipe (cabo Verde)