Técnica vs Artesanato

Vou falar de uma coisa:
comprei computador, aparelho
de larga inteligência e letra certa.
Fascinaram-me os bips,
a linguagem decifrada e tensa, as letras
(ou quase todas) a caberem.
Pensei: que bom será sem precisar de folha,
os meus poemas na fase inicial
pelo écran.
E comecei na escrita: um toque leve,
em intermédio bips, e a palavra
fugindo desabrida.
Perseverei (que os tempos urgem
e a poesia já não doce folha de linhas,
já não tempo parado,
antes segura e galopante técnica).
Mas faltava-me o risco,
os meus traços por cima das palavras,
a minha mão precária a entender refúgios,
os dedos viciados pelo lápis.
Faltava a minha raiva pela folha,
o meu carinho às vezes, embarcações macias
e barulho de remos.
Vou falar de uma coisa:
bips só no trabalho, o écran certo
e que viva o papiro, o pergaminho,
as pregas pelo tempo, a raiva toda aos riscos
e a poesia conquistada
a vício.
Ana Luísa Amaral