30.4.08


O ventre da onda brava


Se eu fosse pintor pintava
De verde, verde e cinzento,
O ventre da onda brava
E os olhos cegos do vento
Só com essas duas cores
Talvez que a tinta ocultasse
Meu prazer, as minhas dores...
Tudo que me lês na face!
E, sob o feltro dos dedos
Poisando nas tuas ancas,
As ondas dos teus cabelos
De loiras ficavam brancas.
Nem sequer falas de gente!
Nem alegria nem mágoa.
Ou luar ou sol poente.
Corpo de cristal com água...
Em vez de carne, cerejas.
Legumes, em vez de peixe,
Antes que os meus lábios vejas
E, presos, um beijo os deixe.
Quem se lembraria então
Do poeta (ou do pecado)
Atirado para o chão
Como um fósforo apagado?


Pedro Homem de Mello