6.4.08


Frígida



I

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas;
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

II

Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos;
Não cora no seu todo a tímida candura;
Dançam a paz dos céus e os assombros dos infernos.

III

Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lenço de cambraia!...
Ninguém assim me prende,
seria extravagante,
Quando arrega
ça e ondula a preguiçosa saia!



IV

Hei-de esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É como o Sol - dourada, e, como a Lua - branca!

V

Pudesse-m' eu prostrar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E tr
émulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

VI

Cintila no seu rosto a lucidez das jóias,
Ao deparar consigo a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha demorada e muda dum fantasma.

VII

Metálica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
Permite que lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o brilho dos adornos!

VIII

Deslize como um astro, um astro que declina;
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.

IX

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E ao persegui-la penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte.

X

O seu vagar oculta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e ataca o meu nervoso.

XI

Porém não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos brav
os.
Receio suportar febrões e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

XII

E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me osculasse, enfim, flexível e submissa,
Eu julgaria ouvir alguém, soturnamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!


Cesário Verde