9.10.08

As terras sentidas


As terras sentidas de África
nos ais chorosos do antigo e do novo escravo
no suor aviltante do batuque impuro
de outros mares
sentidas

As terras sentidas de África
na sensação infame do perfume estonteante da flor
esmagada na floresta
pela imoralidade do ferro e do fogo
as terras sentidas

As terras sentidas de África
no sonho logo desfeito em tinidos de chaves carcereiras
e no riso sufocado e na voz vitoriosa dos lamentos
e no brilho inconsciente das sensações escondidas
das terras sentidas de África
Vivas
em si conosco vivas
Elas fervilham-nos em sonhos
ornados de danças de imbondeiros sobre equilíbrios
de antílope
na aliança perpétua de tudo quanto vive

Elas gritam o som da vida
gritam-no
mesmo nos cadáveres devolvidos pelo Atlântico
em oferta pútrida de incoerência e morte
e na limpidez dos rios

Elas vivem
as terras sentidas de África
no som harmonioso das consciências
incluídas no sangue honesto dos homens
no forte desejo dos homens
na sinceridade dos homens
na razão pura e simples da existência das estrelas

Elas vivem
as terras sentidas de África
porque nós vivemos
e somos as partículas imperecíveis
e inatacáveis
das terras sentidas de África

Agostinho Neto (poeta angolano)