31.1.08

Beatitude Amarga
A Silva Ramos, da Academia Brasileira


Esqueço-me a admirar os teus olhos profundos
E imagino que estou sentado à beira-mar:

Vejo as ondas a erguer-se, arquipélagos, mundos,
Naufrágios, temporais, mar de leite e de luar...


Medroso, o coração tenta fugir, mas treme:

O abismo atrai o abismo! E, desvairadamente,

Despenha-se no mar, como um barco sem leme,

De onda em onda, à mercê do vento e da corrente.


Vejo-a ainda um momento a esconder-se na bruma,

E sinto uma impressão de angústia e de pesar,

– Seguindo ansiosamente o seu rasto de espuma –

Por supor que partiu para não mais voltar!

Mas tu falas, e, ao som da tua voz, desperto;
Volto a mim desse estranho sonho, a alma perdida,
Com o vago terror e o pensamento incerto

Do naufrágio que à praia ainda chegou com vida.


António Feijó